07/12/09

Um pensamento falacioso



A extraordinária centralização e concentração de capital, a formação de gigantescos monopólios que, isoladamente ou em aliança, dominam ramos inteiros da produção, do comércio e serviços e das finanças, os próprios mecanismos de regulação internacional do capitalismo, são expressão de reais processos de socialização que mostram a necessidade do socialismo, como solução racional necessária à desumana anarquia e concorrência capitalistas. A solução dos grandes problemas que afectam toda a Humanidade, a começar pelo problema da paz, mas também os problemas dos recursos naturais, da energia, do ambiente, da pobreza e outros, exige a utilização de métodos racionais de planeamento inerentes ao socialismo." [Resolução Política do XVIII Congresso do PCP, aprovada em 1 Dez 2008]
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No post anterior tinha escrito que nem sempre se pode estar em desacordo com o PCP. Referia-me à crítica que o partido faz à mercantilização do suposto direito de poluir. Mas, ao olhar para os comentários dos leitores à notícia do Público sobre o assunto, deparo-me com este excerto de um documento do PCP. E logo encontro matéria onde esse acordo desaparece de imediato.

1. Não se compreende a ligação lógica entre "A extraordinária centralização e concentração de capital, a formação de gigantescos monopólios que, isoladamente ou em aliança, dominam ramos inteiros da produção, do comércio e serviços e das finanças, os próprios mecanismos de regulação internacional do capitalismo são expressão de reais processos de socialização" e "que mostram a necessidade do socialismo, como solução racional necessária à desumana anarquia e concorrência capitalistas". Estamos, antes do mais, perante a denominada falácia do falso dilema. Dá-se a entender, de forma falaciosa, que só há dois pólos de escolha. Se um gera uma situação crítica, então deveremos optar pelo o outro. Isto é falso, do ponto de vista lógico. Mas não estamos apenas perante a falácia do falso dilema, estamos perante uma outra falácia denominada non sequitur, que se refere aos casos onde, num argumento, a conclusão não se pode deduzir das premissas. Mesmo que a premissa seja verdadeira, não há conexão entre o que ela diz e aquilo que se afirma na conclusão. Da situação actual do capitalismo, por exemplo, não posso deduzir a necessidade do socialismo, como o faz o texto do PCP.

2. Mas o desacordo não é apenas lógico. É também ontológico e metodológico. Os métodos racionais de planeamento já foram testados no chamado socialismo real. O resultado foi desastroso. O potencial de criatividade humana foi abafado, a capacidade de gerar produtos para a satisfação das necessidades e desejos dos homens era mínimo, a liberdade era inexistente. Depois, neste tipo de pensamento há uma presunção desmedida, a presunção de que a razão planificadora consegue calcular tudo o que é necessário à vida dos homens. O capitalismo é, do ponto de vista económico, muito mais eficaz que o socialismo planificador. Só que esse capitalismo terá de ser regulado e não deve ocupar as áreas da vida social que não sejam económicas. Esta crítica ao capitalismo não visa a sua destruição, mas pô-lo ao serviço dos homens e limitar os aspectos mais insociáveis do egoísmo que lhe é inerente.

3. Voltando à questão ambiental, assunto do post anterior, não se pode afirmar que os problemas ambientais produzidos pela economia capitalista tenham por solução "a utilização de métodos racionais de planeamento inerentes ao socialismo". Para além das falácias contidas no raciocínio, existe aqui uma falta de verdade histórica. As economias socialistas eram muito mais poluidoras que as capitalistas e muito menos interessadas nas questões ambientais.

4. Eis como se pode estar muitas vezes de acordo com o PCP nas críticas que faz, e raramente com as soluções que propõe.

1 comentário:

José Trincão Marques disse...

Este post e o anterior levantam vários problemas importantes, que merecem uma abordagem separada.

1- Em primeiro lugar, o PCP não tem ainda uma análise amadurecida da política ambiental. Os problemas ambientais em Portugal só começaram a ter alguma relevância política desde há uma dúzia de anos. Esta novidade política, conjugada com a estratégia de deixar este espaço de intervenção ao seu parceiro de coligação Partido Ecologista os Verdes, colocou o PCP na situação actual de algum experimentalismo doutrinário na política de ambiente. Este facto pode explicar algumas contradições no seu discurso.

2- Perante os graves problemas ambientais que afectam já a Terra, parece começar a funcionar aquilo a que Viriato Soromenho Marques designou há 20 anos atrás como «Pedagogia da Catástrofe». Os Estados ignoraram os avisos feitos por alguma comunidade científica, desde a década de sessenta do século passado, acerca dos perigos e consequências dos atentados ambientais. Agora, perante a catástrofe, parecem todos ter finalmente entendido.

3- Na iminência da «catástrofe» qualquer regime político pode tentar resolver o assunto. O socialismo e o capitalismo (a definição de socialismo é outra questão que nos levaria longe. Vou entendê-lo aqui como apropriação colectiva dos principais meios de produção). O socialismo de mercado, ou de planeamento central, com, ou sem democracia política. O capitalismo de mercado, ou de planeamento central, com, ou sem democracia política.
Temos exemplos na História de verdadeiras preocupações ambientais em todas as correntes políticas. Desde Engels, passando pelo regime Nazi, pelos EUA do início do século XX, ou por vários países da Europa Ocidental.

4- Os problemas ambientais são globais. Ora, sendo hoje a generalidade dos países do mundo capitalistas (e incluo neste conjunto até a China), não faz sentido tentar resolver aqueles problemas com soluções socialistas.

5- O mercado foi o meio encontrado para, desde Quioto, tentar combater o aquecimento global. Os países signatários comprometem-se a reduzir as emissões de CO2 em determinada percentagem global. A cada um é atribuída uma quota de emissão de CO2. Quem conseguir ficar aquém, poderá vender a parte disponível da sua quota a países que a ultrapassem. O que conta aqui é o resultado final da soma das partes, que contribuirá para o objectivo comum: a redução de emissão total de CO2.

6- Este mercado incentivará a redução da emissão de CO2, possibilitando que cada país tenha a sua política energética, consoante o seu grau e aspirações de desenvolvimento. Como pode a UE convencer a China e a Índia a reduzirem as emissões de CO2 per capita, quando elas são muito inferiores às da Europa, ou dos EUA?
Este mercado incentivará o desenvolvimento de novas tecnologias limpas (que darão créditos de CO2), baixando o seu custo junto dos consumidores finais, que optarão pelo investimento em tecnologias limpas (não por serem mais amigas do ambiente - o que seria lirismo - mas sim por serem mais baratas do que as poluidoras).

6- Este mercado funcionará como a cenoura que faz andar o burro. Existem, é certo, outras formas de o fazer andar, como por exemplo usando o chicote. Esta foi a forma escolhida.
Carneluti, um eminente jurista italiano, dizia que «as sanções em direito internacional são como uma espingarda apontada ao infractor, ainda que descarregada», para demonstrar a dificuldade de aplicação das normas internacionais e de punição dos faltosos (principalmente dos mais fortes).
É provável que nas questões das alterações climáticas, diante dos mais fortes (EUA, China, Índia, Rússia, UE, Japão), seja mais fácil convencê-los com a cenoura do que com o chicote.