Banha da cobra
Sócrates
Há notícias que me deixam siderado. O i online, a propósito de um best-seller sobre um miúdo autista, noticia que Einstein, Mozart, Sócrates, Stanley Kubrik e Andy Warhol, além de geniais, tinham outra coisa em comum: todos sofriam da síndrome de Asperger, uma forma de autismo que afecta a interacção social. Diga-se de passagem que é relativamente modesto. Há outras listagens que incluem Newton, Wittgenstein e Darwin. Admito que se possa especular sobre Einstein ou Wittgenstein, gente bem conhecida e pública no século XX, para não falar de Kubrik ou de Warhol. Admito mesmo que há suficientes indícios sobre Darwin e Newton, indícios que permitiriam um diagnóstico, o qual, felizmente, nunca foi feito. Mas sobre Sócrates, de quem praticamente nada se sabe, que sentido faz este tipo de inclusão numa lista de nobres deficientes? Não seria antes Platão que sofreria de síndrome de asperger? Ou não teria Platão, genial proto-romancista, desenhado uma figura do mestre que permitisse à posteridade este tipo de exercícios? O que há de interessante nisto é a transformação, no caso de Sócrates, de uma atitude deliberada numa patologia. Ele não agiu como agiu, ele não enfrentou a hipocrisia pública como o fez, não aceitou o julgamento público e a morte, por convicção. O coitado sofria de síndrome de asperger e como não sabia, preferiu morrer por respeito à lei da cidade, em vez de aceitar a ajuda dos amigos e pôr-se a milhas, até que os ânimos se acalmassem. Isto é o que se chama transformar a ciência em banha da cobra.
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