O monstro por trás da carne
No post anterior, disse-se que a filosofia é um espreitar os monstros e um aprender a conviver com esses monstros. Mas o que significa essa extravagante metáfora? Vejamos o exemplo deste produto da investigação científica. Não é a carne produzida em laboratório que é monstruosa. Pode ser pouco sápida, por exemplo. Mas o monstruoso não está aí. O monstruoso reside em dois outros lugares.
Primeiro, o monstruoso é o poder de fazer que fez aquela carne. Depois, monstruoso é a teleologia inerente a esse fazer. É monstruoso o poder decifrador da vida, por muito interessante que possam ser os seus resultados. Há uma metamorfose dentro dos poderes humanos. Até aqui o homem apoderava-se da vida nas suas particularidades, capturando-a por fora. Por exemplo, nos animais que criava e que imolava para as suas necessidades. Ele dispunha daquelas vidas, mas não da vida. Agora desenha-se um poder não apenas sobre as vidas particulares, mas sobre a própria vida, entendida no seu princípio originário e, por isso, na sua máxima extensão.
Mas a teleologia imanente a este poder também não deixa de ser monstruosa. A finalidade não é, por exemplo, fornecer carne abundante sem matar animais e poluir. A finalidade reside na ideia de reconstrução da realidade. Subjacente está uma outra ideia que parece afastada. A natureza material é má. A sua maldade reside na sua imperfeição. Numa espécie de novo gnosticismo, os iniciados condenam a natureza existente e vão reconstruí-la segundo uma ideia abstracta, isto é, sem as imperfeições da matéria.
O trabalho filosófico não será lutar contra os monstros, nem transformar a realidade para que os monstros deixem de existir, mas olhá-los, contemplá-los na sua essência, isto é, na sua monstruosidade.
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