18/12/09

Sem-abrigo



Está ali, 30 anos depois de o ter conhecido. Na altura, dava-lhe talvez uns sessenta anos. Era um excesso, certamente motivado pela juventude do meu olhar. Naqueles tempos, era a personagem mais altiva que conhecia, talvez nunca tivesse conhecido ninguém, mesmo depois, tão altivo, supinamente arrogante, de uma pesporrência sem fim. Usava a frieza do olhar azul para colocar o mundo à distância, combinava a estranheza do saber que possuía com o sangue de família para esmagar pessoas como se fossem mosquitos. Os anos passaram, e essa personagem desapareceu, aliás rapidamente, do meu horizonte. Não que a tenha esquecido. Talvez a sua estratégia fosse a de ficar na memória dos outros pelo seu comportamento. Voltei a vê-la há dias. Discurso ainda articulado, mas tudo o resto se tinha desvanecido. Numa conferência, lá estava ela na assistência, agora porém para mendigar uns minutos para falar, mesmo desse lugar exógeno. Até aquele momento nunca tinha conhecido um verdadeiro sem-abrigo.

1 comentário:

Alice N. disse...

Todo o arrogante merece ficar só.