13/12/07

A Cidade Flutuante - 38. Oliveiras e figueiras

Oliveiras e figueiras
habitavam os campos
pela brancura do chão,
deixavam o sol vir sobre elas
e cavalgá-las,
enchê-las de frutos
como as mulheres
se enchiam de filhos.

E por lá havia gente
e azeite e figos
e pássaros tardios
a poisar sobre os ramos
e ouvia-se a terra
enquanto as nuvens passavam
ou alguém cantava.

Cortaram os canaviais
e depois tombaram as figueiras,
a última oliveira despediu-se
ontem de mim.
No calcário da terra,
nascem agora raízes de betão,
a pedra fria
onde os homens se sentam
a ver passar aquilo que passa,
como se a terra tivesse sido
pela lepra tomada
e uma chaga de ruído
assim a cobrisse.

Tudo se tornou inodoro
e os insípidos dias correm
sem conserto
entre torres desfraldadas
ao vento da tarde.
Se falam, não são palavras
que da boca saem,
mas bocejos,
um cansaço arenoso,
pois o pântano avançou
com as suas sombras,
tragou as nespereiras e os quintais,
as raparigas de madeixa,
o comércio fruste
onde todos se acolhiam,
a vender e a comprar,
assim se equilibravam
da balança os pratos.

Não têm rosto os que vendem,
perderam a face os que compram,
ouve-se apenas o bocejar
das raparigas sem madeixa
naquele vazio infinito,
nos lugares onde
o sol vinha cavalgar
oliveiras e figueiras,
enchê-las de filhos
e às mulheres de frutos.

[JCM. A Cidade Flutuante. 1993/2007]

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