15/12/07

José Manuel Fernandes e os directores de escola

O editorial de hoje do Público, escrito por José Manuel Fernandes, tinha por título “Directores de escola: um pequeno passo em frente”. Faço o registo de interesses: também, há algum tempo, que sou favorável ao fim da eleições das direcções das escolas, achando assim oportuna a introdução de um director. Dito isto, vamos ao que está em questão.

José Manuel Fernandes, depois de evidenciar os pontos de contacto eventualmente existentes no bloco central sobre o problema, toma em mãos a retórica da ruptura. É necessário romper, escreve, com a actual forma de contratar os professores. Que os directores “possam contratar os professores com quem trabalham, em vez de receberem os professores que um computador central lhes envia”.

A segunda ruptura passaria pela transformação das provas de aferição do 4.º e 6.º anos em exames a contar para a classificação dos alunos.

Vejamos como ideias aparentemente interessantes se mostram deslocadas ou insuficientes.

Será a introdução de um director escolar um passo à frente? Se o director escolar fosse um professor com pelo menos 30 anos de idade, seis anos de serviço docente e um curso rigoroso de direcção escolar. Curso esse a ser feito, por exemplo, no Instituto Nacional de Administração e virado para a problemática da direcção dos estabelecimentos de ensino, a ideia seria belíssima e estaríamos a começar a trabalhar seriamente. Esses novos directores deveriam poder concorrer às escolas através de concurso público (parece que é inconstitucional), deveriam ter uma carreira própria e deveriam ser avaliados pela forma como dirigiam a sua escola. Aquilo que se perfila não é nada disto. Não se conhece a qualificação exigível, mas é de supor que será idêntica à actual. O que será um mau sinal. Depois, o recrutamento será feito por um conselho geral da escola. Ainda não se conhecendo pormenores sabe-se já que o conselho será composto por representantes dos docentes, dos encarregados de educação, dos alunos do secundário, das autarquias e das actividades locais. É aqui que começa o problema todo. As autarquias vão ter uma palavra a dizer na escolha dos dirigentes escolares. Se vivêssemos no centro da Europa, eu aplaudiria. Em Portugal, vai ser o primeiro passo para partidarizar as direcções escolares. Só quem não quer ver é que achará que estou a exagerar. É evidente que o melhor director não vai ser o que tem melhor preparação para o cargo, mas aquele que der mais confiança política aos partidos dominantes, por norma mancomunados com os interesses locais, pomposamente designados por actividades locais. Não estranho que o governo vá entregar as escolas e a vida dos professores nas mãos das autarquias. Se lhes tira dinheiro, é preciso que as compense e, na generalidade dos concelhos, ter as escolas na mão é um bom trunfo político-partidário. O que não percebo é a desatenção de José Manuel Fernandes.

Imagine-se, agora, que o director, escolhido pelo método proposto, vai poder contratar os professores. Já toda a gente sabe que haverá «excelentes» professores, talvez até pagos acima da média, que serão contratados porque apresentam a competência fundamental de serem amigos do director, ou do presidente da câmara, ou de um vereador, ou de alguém influente nesse estranho mundo das actividades. Quem é que não sabe disto? José Manuel Fernandes vive onde? Na Finlândia? Em Marte?

Estou de acordo com o director do Público quanto à transformação das provas de aferição do 4.º e 6.º anos em exames. Mas não chega. É preciso alargar o leque de exames a todas as disciplinas, mesmo no primeiro ciclo os alunos deveriam ser examinados na área do Estudo do Meio (combina História, Geografia, Ciências da Natureza e Ciências Físico-Químicas). Esse alargamento deveria acontecer também no 9.º e 12.º anos. Em todas as disciplinas os alunos deveriam prestar provas públicas.

Mas isto teria um inconveniente político: as reprovações multiplicar-se-iam e obrigariam a que se perguntasse porquê. Então cairia toda a verborreia dos especialistas e ministros da educação.

Não basta haver exames. É necessário um currículo nacional com sentido, o actual é de uma pessoa rir e chorar ao mesmo tempo. Mas um bom currículo também não basta. Haveria que atacar os dois principais problemas que existem nas escolas: 1.º) uma cultura dos alunos, fomentada fora da escola, completamente adversa ao estudo e ao trabalho sério; 2.º) uma cultura dos professores, fomentada pelo ministério e pela incúria, desligada do saber e da universidade e baseada na burocracia e no eduquês.

Ora quem quer mexer nestes dois pontos? Quem quer, por exemplo, dizer que os professores do 1.º ciclo devem fazer formação ligada às universidades de Letras e de Ciências e não às ESE’s? Quem diz aos pais que os meninos têm de trabalhar em casa sem telemóvel, jogos e televisão? Quem diz que o principal dever de um professor é dominar aquilo que ensina e não ser especialista em «estratégias» e outras idiotices que colonizam o discurso escolar?

Alterar o triste rumo da educação portuguesa nem seria muito difícil, desde que se estivesse disposto a enfrentar estes dois problemas. Um director escolar, sem isto, não é passo nenhum para sítio algum. É mais uma medida cuja finalidade vai ser criar mais e mais confusão.

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