Jorge Pedreira e os chumbos
Leia-se estas declarações, ao Público de hoje, de sua excelência o senhor secretário de estado Jorge Pedreira, uma das mãos fortes de Ministério da Educação.
“Temos um sistema extremamente exigente e selectivo, que exclui uma parte significativa dos jovens, mas que depois não é eficaz em garantir a sua recuperação. A probabilidade de um aluno que chumbe voltar a ficar retido é enorme”, alerta. E esta é uma “disfunção” que tem sido muito difícil de contrariar, apesar de “todas as orientações dadas pelo Governo, nomeadamente em relação aos planos de recuperação [acompanhamento que as escolas têm de assegurar aos alunos que revelam atrasos]”.
“É preciso que haja a noção nas escolas de que a retenção é um fenómeno de último recurso. Só que o discurso que passa é que mais rigor implica mais retenção, o que é totalmente falso”, lamenta. Lembrando que há países que nem permitem o chumbo de um aluno, Jorge Pedreira admite que não é possível avançar em Portugal para uma medida administrativa desta natureza. Não com taxas de retenção tão elevadas e num sistema onde a ideia dificilmente teria aceitação política e social.
A verdade é que os jovens de 15 anos que frequentam o 10.º (que nunca chumbaram) apresentam resultados superiores à média da OCDE. Os outros têm desempenhos significativamente mais baixos. Por estarem a frequentar o 7.º ou o 8.º anos, não tiveram acesso às competências esperadas aos 15 anos, explica.
Percamos tempo a desfazer estas pseudo-evidências.
1. É falso que tenhamos um sistema extremamente exigente e selectivo. Se queremos encontrar razões para tão elevado grau de exclusão não será na exigência e na selectividade. Para dizer a verdade o ensino básico, a nível de exigência, tende para o grau zero. Quantos e quantos alunos chegam ao secundário e mal sabem ler? Mas se quer perceber por que motivo há ainda tanta retenção, peça aos seus colegas sociólogos que estudem a cultura dos alunos e a sua relação com a escolaridade. Talvez a sociologia lhe servisse para alguma coisa.
2. Por que razão falham os queridos (do ministério) planos de recuperação? Pelos mesmos motivos, genericamente, que falham as aulas normais. Quando um aluno tem dificuldades cognitivas, mas vontade em aprender, faz progressos. Mas muitas das dificuldades dos alunos não residem no domínio cognitivo, mas pura e simplesmente no domínio volitivo: não querem estudar, não querem esforçar-se, tudo para eles é uma «seca» e não há nada que a molhe. Há, entre os alunos e a própria população, uma cultura inimiga do estudo e da aprendizagem. Qualquer pessoa que passe um mês numa escola perceberá isso. Ora a quanto mais planos o aluno está sujeito, mais se aborrece e menos vontade tem de fazer o que quer que seja. A sua vontade é rainha.
3. O segundo parágrafo citado é todo ele um exemplo acabado de pensamento falacioso. O dr. Pedreira está mesmo convencido de que se os alunos, que com 15 anos ainda estão no 6.º, ou no 7.º, ou no 8.º anos, se estivessem no 9.º ano teriam melhores resultados? Saberá o senhor secretário de estado o que são as ciências e a matemática? Acha que esses alunos que não foram capazes de apreender os rudimentos dessas áreas iriam, talvez por um milagre, apreender os conteúdos do 9.º ano?
4. Interessante neste discurso é a culpabilização dos professores e da sua cultura de exigência. Agora já não são uns reles e medíocres professores. São muito exigentes e depois são selectivos, de tanta exigência. É de cair para o lado a rir. Decidam-se de uma vez por todas. Os professores são demasiado maus ou demasiado bons?
5. É preciso, embora o exercício seja fútil por incapacidade de apreensão dos destinatários, explicar a estes senhores uma coisa essencial: quando se estabelece uma relação entre professor e alunos, estabelece-se uma relação entre vontades (palavra que esta gente do ministério da educação decidiu ignorar). Se as vontades convergem (se o professor quer ensinar e os alunos aprender) tudo acabará por correr bem. Como aliás se reconhece pelos resultados. Os alunos que estão no 9.º ano com 15 anos foram aqueles que se dispuseram, e não muito como eles me dizem quando chegam ao secundário, a fazer alguma coisa. Estes têm resultados acima da média internacional. Os outros não são, em geral, mais «idiotas» do que estes. Pura e simplesmente não querem. E aqui um professor é completamente impotente. Um professor não pode, nem moral nem legalmente, obrigar um aluno a estudar. Mesmo que moral e legalmente fosse possível obrigá-lo, não seria possível na prática fazê-lo. Resta o reconhecimento do mérito e a punição dos que não querem trabalhar através do mecanismo desagradável da repetência. A repetência não resolve o problema da pouca vontade de estudar, apenas faz justiça entre alunos.
6. O texto é notável, porém, pelo facto de dar a conhecer de forma tão nítidaa vontade desta gente que governa a educação: acabar com as repetências. Declarar o estado de irresponsabilidade geral. Não o fazem, confessa sem pudor o secretário Pedreira, porque a “ideia dificilmente teria aceitação política e social”. Já percebemos todos. A vitória da ideologia do eduquês é total. Um vómito.
“Temos um sistema extremamente exigente e selectivo, que exclui uma parte significativa dos jovens, mas que depois não é eficaz em garantir a sua recuperação. A probabilidade de um aluno que chumbe voltar a ficar retido é enorme”, alerta. E esta é uma “disfunção” que tem sido muito difícil de contrariar, apesar de “todas as orientações dadas pelo Governo, nomeadamente em relação aos planos de recuperação [acompanhamento que as escolas têm de assegurar aos alunos que revelam atrasos]”.
“É preciso que haja a noção nas escolas de que a retenção é um fenómeno de último recurso. Só que o discurso que passa é que mais rigor implica mais retenção, o que é totalmente falso”, lamenta. Lembrando que há países que nem permitem o chumbo de um aluno, Jorge Pedreira admite que não é possível avançar em Portugal para uma medida administrativa desta natureza. Não com taxas de retenção tão elevadas e num sistema onde a ideia dificilmente teria aceitação política e social.
A verdade é que os jovens de 15 anos que frequentam o 10.º (que nunca chumbaram) apresentam resultados superiores à média da OCDE. Os outros têm desempenhos significativamente mais baixos. Por estarem a frequentar o 7.º ou o 8.º anos, não tiveram acesso às competências esperadas aos 15 anos, explica.
Percamos tempo a desfazer estas pseudo-evidências.
1. É falso que tenhamos um sistema extremamente exigente e selectivo. Se queremos encontrar razões para tão elevado grau de exclusão não será na exigência e na selectividade. Para dizer a verdade o ensino básico, a nível de exigência, tende para o grau zero. Quantos e quantos alunos chegam ao secundário e mal sabem ler? Mas se quer perceber por que motivo há ainda tanta retenção, peça aos seus colegas sociólogos que estudem a cultura dos alunos e a sua relação com a escolaridade. Talvez a sociologia lhe servisse para alguma coisa.
2. Por que razão falham os queridos (do ministério) planos de recuperação? Pelos mesmos motivos, genericamente, que falham as aulas normais. Quando um aluno tem dificuldades cognitivas, mas vontade em aprender, faz progressos. Mas muitas das dificuldades dos alunos não residem no domínio cognitivo, mas pura e simplesmente no domínio volitivo: não querem estudar, não querem esforçar-se, tudo para eles é uma «seca» e não há nada que a molhe. Há, entre os alunos e a própria população, uma cultura inimiga do estudo e da aprendizagem. Qualquer pessoa que passe um mês numa escola perceberá isso. Ora a quanto mais planos o aluno está sujeito, mais se aborrece e menos vontade tem de fazer o que quer que seja. A sua vontade é rainha.
3. O segundo parágrafo citado é todo ele um exemplo acabado de pensamento falacioso. O dr. Pedreira está mesmo convencido de que se os alunos, que com 15 anos ainda estão no 6.º, ou no 7.º, ou no 8.º anos, se estivessem no 9.º ano teriam melhores resultados? Saberá o senhor secretário de estado o que são as ciências e a matemática? Acha que esses alunos que não foram capazes de apreender os rudimentos dessas áreas iriam, talvez por um milagre, apreender os conteúdos do 9.º ano?
4. Interessante neste discurso é a culpabilização dos professores e da sua cultura de exigência. Agora já não são uns reles e medíocres professores. São muito exigentes e depois são selectivos, de tanta exigência. É de cair para o lado a rir. Decidam-se de uma vez por todas. Os professores são demasiado maus ou demasiado bons?
5. É preciso, embora o exercício seja fútil por incapacidade de apreensão dos destinatários, explicar a estes senhores uma coisa essencial: quando se estabelece uma relação entre professor e alunos, estabelece-se uma relação entre vontades (palavra que esta gente do ministério da educação decidiu ignorar). Se as vontades convergem (se o professor quer ensinar e os alunos aprender) tudo acabará por correr bem. Como aliás se reconhece pelos resultados. Os alunos que estão no 9.º ano com 15 anos foram aqueles que se dispuseram, e não muito como eles me dizem quando chegam ao secundário, a fazer alguma coisa. Estes têm resultados acima da média internacional. Os outros não são, em geral, mais «idiotas» do que estes. Pura e simplesmente não querem. E aqui um professor é completamente impotente. Um professor não pode, nem moral nem legalmente, obrigar um aluno a estudar. Mesmo que moral e legalmente fosse possível obrigá-lo, não seria possível na prática fazê-lo. Resta o reconhecimento do mérito e a punição dos que não querem trabalhar através do mecanismo desagradável da repetência. A repetência não resolve o problema da pouca vontade de estudar, apenas faz justiça entre alunos.
6. O texto é notável, porém, pelo facto de dar a conhecer de forma tão nítidaa vontade desta gente que governa a educação: acabar com as repetências. Declarar o estado de irresponsabilidade geral. Não o fazem, confessa sem pudor o secretário Pedreira, porque a “ideia dificilmente teria aceitação política e social”. Já percebemos todos. A vitória da ideologia do eduquês é total. Um vómito.
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