01/07/07

Vasco Pulido Valente - Partir tudo o que ainda resta

Um dia destes, o dr. João Salgueiro, com a velha audácia da ignorância, explicava ao povo que, existindo cursos que levam ao desemprego (uma verdade incontestável) e cursos que não levam, o Estado português, como o Estado da Coreia do Sul, não faria mal em orientar a criançada, através, por exemplo, da concessão ou recusa de bolsas de estudo. Suponho que esta ideia agradaria ao eng.º Mariano Gago e que entre os cursos que o dr. João Salgueiro se propõe eliminar estarão os cursos de "Humanidades". Mas se o dr. João Salgueiro por acaso soubesse um pouco de História, de Filosofia ou de Sociologia talvez compreendesse que o elemento decisivo para o progresso ou atraso de uma sociedade é a cultura que nela domina e não recomendasse com tanta ligeireza reduzir a universidade a um mero fornecedor de mão-de-obra "qualificada".

É este, de resto, o grande erro do eng.º Mariano Gago. Como o nome indica, qualquer autêntica universidade pretende educar e formar um homem universal. A universidade indígena, sem campus e sem "vida em comum", já não cumpre, ou provavelmente nunca cumpriu, esta função básica. Infelizmente, a reforma que o Governo prepara não se destina a corrigir a desagregação e o isolamento, que hoje sufocam o espírito académico. Pelo contrário, Mariano Gago quer partir tudo o que ainda resta de uma universidade mutilada e dispersa e subordinar cada bocadinho a uma tutela exterior e ao arbítrio do que governos passageiros esperam do futuro e pensam que o país precisa.
Vasco Pulido Valente, Público de hoje, 1 de Junho.

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