14/07/07

JC Espada e o esquematismo liberal

Somos todos pecadores. Foi isso que aprendi quando andava na catequese. Apesar de uma pessoa crescer e deixar de frequentar a Igreja, há coisas das quais não nos livramos. Pecador fui, pecador sou, pecador serei. Tendo consciência da minha triste situação neste mundo perdido e como forma de desagravo, imponho-me todas as semanas uma dura pena: ler a crónica de João Carlos Espada, no Expresso. Rezar três rosários num só dia? Não, ler a crónica de JC Espada é muito mais duro.

A desta semana tem por título Zita Seabra e é uma espécie de encomiasmo à actual deputada do PSD, ex-militante do PCP. Até aqui tudo bem, cada um louva quem quer. O pior é que o Prof. Espada aproveita, como faz todas as semanas, a oportunidade para celebrar os autores que traz sempre na boca – eles, coitados, não têm culpa: Raymond Aron, Friedrich Hayek, Karl Popper, claro, Michael Oakeshott, uma mistura de liberais e conservadores, alguns bastante interessantes.

O que me arrepia em JC Espada é, apesar de ser Professor Doutor na U. Católica e de ser conselheiro do Presidente da República, a sua pura incapacidade para pensar, o esquematismo daquilo que ele deve achar serem as suas ideias. Vejamos este bocadinho de prosa notável: “Todos eles (os supra referidos) enfatizaram a hostilidade do comunismo contra os modos de vida espontâneos das pessoas comuns, enraizados em instituições livres nas quais se sentem confortáveis: a casa própria, a família, a realização profissional, os hóbis, a religião. Estas esferas plurais constituem uma reserva de liberdade contra a vontade política sem entraves.” Sim tudo isto é verdade. Os regimes totalitários, entre eles o comunismo, hostilizaram o modo de vida espontâneo das pessoas. Mas isso não distingue qualitativamente os estados totalitários dos estados liberais. Ou o Professor Espada pensa que nos estados liberais, que ele admira, as pessoas comuns vivem segundo os seus modos de vida espontâneos? Espontâneos? Todo o trabalho de regulação social e política através da cultura não existe? A coacção disseminada e dissimulada nas democracias é uma imaginação? Pensar seria tentar perceber como nos estados democráticos e nas “instituições espontâneas” se inscreve já a pulsão totalitária.

Mas o problema que interessa agora está noutro lado: será que os regimes liberais em que vivemos respeitam essas instituições em que vivemos confortáveis? Em muitos desses regimes é verdade que há alguns que se sentem confortáveis, mas será que a maioria se sente assim tão celestialmente respeitada? E nos outros onde o conforto é distribuído pela grande maioria não terá sido devido, não ao liberalismo, mas à intromissão desse Leviathan que é o Estado? O que todos os sábados JC Espada faz é contar uma fábula que descreva apenas o esquematismo da sua cabeça.

Mas haverá uma diferença por aí além entre o esquematismo pró-albanês e o esquematismo pró-liberal? Haverá mesmo uma diferença efectiva entre uma Associação de Amizade Portugal-Albânia e a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento? Não é tudo dependência?

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