18/07/07

Música às quartas - 9 Mísia - Garras dos Sentidos

Voltemos ao fado. Voltemos também a uma tradição inaugurada por Amália Rodrigues, a de cantar grandes nomes da literatura portuguesa.

Mísia é um estranho objecto estelar que se move no universo do fado. Aqui uma contradição: uma estrela que se move. E move-se não porque acompanha o movimento da galáxia à qual a necessidade mecânica do universo a submete, mas move-se a si mesma, com movimento autónomo, vindo talvez do desejo que a habita, desejo que, todos os que leram Aristóteles, sabem ser o desejo do divino.

Há toda uma carga genética que confere densidade à personagem (ver aqui a sua página oficial), porque Mísia é uma personagem que a si se compõe e recompõe, reconfigura e transfigura. Em Mísia não há apenas o canto mas um sentido romanesco de si mesma e um trabalho estético sobre o corpo próprio, que já não é um mero corpo, perdido na multidão dos corpos, mas um corpo pensado no cruzamento entre a persona (a máscara teatral), a pessoa social, aquela que é portadora de nome e bilhete de identidade, mas também do reconhecimento dos outros, e o mistério de si mesma. É tudo isto que se manifesta e revela na interpretação das canções que escolhe para dar vida na sua voz.

O CD proposto é Garras dos Sentidos, de 1998, editado pela Detour, que na altura pertencia à Erato. Os 11 fados, ou canções, têm textos de Agustina Bessa-Luís, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Lídia Jorge, José Saramago, Mário Cláudio, António Botto e Natália Correia. Como se vê, tudo pesos pesados da nossa literatura.

O vídeo, proveniente do YouTube, não diz respeito a este álbum, mas a Ritual, a faixa Duas Luas.


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