Pequeno contributo para a educação sexual
Nos dois vídeos, filmados com os mesmos actores mas com 30 anos de intervalo, está tudo o que toca à sexualidade humana. Não só o seu carácter cénico e ritual, mas a natureza obsessiva do sexo que a encenação e o rito tornam evidente. Foi este carácter obsessivo que a espécie humana regulou através do interdito, a começar pela proibição do incesto até aos níveis mais frágeis de interdição que se manifestam no pudor, na vergonha, na timidez, reflexos subjectivos da objectividade social da proibição. O sexo humano sempre foi, e nada mais do que isso, obsessão e interdição, como em ambos os vídeos se mostra, embora no segundo a obsessão seja já apenas a representação uivada da representação obsessiva. À ritualização da obsessão sexual responde a impossibilidade, diria mesmo a impotência. O «não podemos», de Sophia Loren, e o sono (isto é, a confissão fisiológica do desgaste do desejo perante a falta de novidade), de Mastroianni, são apenas metáforas dessa interdição, cuja raiz, curiosamente, se pode inscrever nos limites do corpo.
Mas o sexo mesmo, a cópula, os corpos abraçados, a respiração alterada, o arfar desmedido, os órgãos genitais excitados, a penetração, as variações sobre o tema, onde fica tudo isso? Respondo com outra pergunta: o que tem tudo isso a ver com o sexo? Isso é a pura insignificância, o grau zero da sexualidade, um nada que só toma a aparência de ser alguma coisa porque, a montante e a jusante, está outra coisa.
O quê? A obsessão que resulta, através de uma espécie de hidráulica, do comunicar da tensão hormonal com o mundo dos significados, simbolizando-se no rito de acasalamento [poderíamos aqui traçar todo um percurso que vai do símbolo à metáfora e desta à palavra comum e ao discurso raso em que, as mais das vezes, se diz o «amor»] e a luta desmesurada dessa tensão simbolizada com a outra dinâmica simbólica, a da interdição. Sem a dimensão simbólica, onde o desejo hormonal (desagradável expressão, não é?) e a sua interdição se conjugam, o sexo teria talvez mais relevo do que a respiração, mas não perturbaria os espíritos mais do que uma ligeiríssima taquicardia.
É curioso, em todo este processo, a impossibilidade de se aceder ao «sexo cru» na sua própria crueza. Os que estão em acto estão perdidos nele, e quem está perdido não sabe onde está. Quando se está fora do acto, seja perante o acto de outros ou a memória do próprio, o acesso é já e só simbólico. Mas a questão tem ainda uma outra face.
Os influxos simbólicos, do desejo e da interdição, contaminam o próprio acto e este, por mais raso que aparente ser, é sempre uma realização simbólica. Não por acaso existe toda uma metafísica do sexo, onde este é o símbolo de múltiplas aventuras do espírito. Várias culturas humanas acabaram por simbolizar no acto sexual as relações entre os mundos terrestre e celeste, entre a alma e Deus, entre o que está em baixo e o que está em cima.
A grande questão do sexo, e de uma improvável educação sobre ele, não reside na sua possível realização de forma desafectada. Não é a falta de afecto e de amor que torna o acto sexual problemático. A questão reside em não haver, por estranho que pareça à mentalidade contemporânea, um sexo sem consequências, um sexo puro. Todo o acto sexual põe em jogo a dimensão simbólica do homem e arrasta nesse jogo as potências ontológicas, psíquicas e cósmicas, que se ocultam nos símbolos com que a sexualidade dos homens, mesmo quando se mostra, se esconde, se vela, se oculta. Dito de outra maneira, quando um homem e uma mulher copulam, são mais do que eles próprios, são símbolos de outra coisa. Também é esta a perspectiva freudiana, mesmo que ela, hoje em dia, já não me interesse: nos jogos de cama, os participantes não são simples «eus»; trazem consigo os respectivos superegos, isto é, toda uma cultura que os suporta no seu ser. Note-se que esta perspectiva tem um corolário interessante: todo o acto sexual a dois é uma orgia generalizada.
Eis o que o cinema faz pensar, ali naquele lugar onde não aconteceu o que se supunha que acontecesse.
Mas o sexo mesmo, a cópula, os corpos abraçados, a respiração alterada, o arfar desmedido, os órgãos genitais excitados, a penetração, as variações sobre o tema, onde fica tudo isso? Respondo com outra pergunta: o que tem tudo isso a ver com o sexo? Isso é a pura insignificância, o grau zero da sexualidade, um nada que só toma a aparência de ser alguma coisa porque, a montante e a jusante, está outra coisa.
O quê? A obsessão que resulta, através de uma espécie de hidráulica, do comunicar da tensão hormonal com o mundo dos significados, simbolizando-se no rito de acasalamento [poderíamos aqui traçar todo um percurso que vai do símbolo à metáfora e desta à palavra comum e ao discurso raso em que, as mais das vezes, se diz o «amor»] e a luta desmesurada dessa tensão simbolizada com a outra dinâmica simbólica, a da interdição. Sem a dimensão simbólica, onde o desejo hormonal (desagradável expressão, não é?) e a sua interdição se conjugam, o sexo teria talvez mais relevo do que a respiração, mas não perturbaria os espíritos mais do que uma ligeiríssima taquicardia.
É curioso, em todo este processo, a impossibilidade de se aceder ao «sexo cru» na sua própria crueza. Os que estão em acto estão perdidos nele, e quem está perdido não sabe onde está. Quando se está fora do acto, seja perante o acto de outros ou a memória do próprio, o acesso é já e só simbólico. Mas a questão tem ainda uma outra face.
Os influxos simbólicos, do desejo e da interdição, contaminam o próprio acto e este, por mais raso que aparente ser, é sempre uma realização simbólica. Não por acaso existe toda uma metafísica do sexo, onde este é o símbolo de múltiplas aventuras do espírito. Várias culturas humanas acabaram por simbolizar no acto sexual as relações entre os mundos terrestre e celeste, entre a alma e Deus, entre o que está em baixo e o que está em cima.
A grande questão do sexo, e de uma improvável educação sobre ele, não reside na sua possível realização de forma desafectada. Não é a falta de afecto e de amor que torna o acto sexual problemático. A questão reside em não haver, por estranho que pareça à mentalidade contemporânea, um sexo sem consequências, um sexo puro. Todo o acto sexual põe em jogo a dimensão simbólica do homem e arrasta nesse jogo as potências ontológicas, psíquicas e cósmicas, que se ocultam nos símbolos com que a sexualidade dos homens, mesmo quando se mostra, se esconde, se vela, se oculta. Dito de outra maneira, quando um homem e uma mulher copulam, são mais do que eles próprios, são símbolos de outra coisa. Também é esta a perspectiva freudiana, mesmo que ela, hoje em dia, já não me interesse: nos jogos de cama, os participantes não são simples «eus»; trazem consigo os respectivos superegos, isto é, toda uma cultura que os suporta no seu ser. Note-se que esta perspectiva tem um corolário interessante: todo o acto sexual a dois é uma orgia generalizada.
Eis o que o cinema faz pensar, ali naquele lugar onde não aconteceu o que se supunha que acontecesse.
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