02/07/07

A natureza conservadora da escola

Evitemos os mal-entendidos: penso que o conservadoris­mo, tomado enquanto conservação, faz parte da essência mesma da actividade educativa cuja tarefa é sempre acari­nhar e proteger alguma coisa — a criança contra o mundo, o mundo contra a criança, o novo contra o antigo, o antigo contra o novo. A própria responsabilidade alargada pelo mundo que a educação assume implica, como é óbvio, uma atitude conservadora. Mas, isto só é válido para o domínio da educação, ou melhor, para as relações entre crescidos e crianças e, de modo algum para o domínio político, onde agimos sempre entre e com adultos ou iguais. Em política, a atitude conservadora — que aceita o mundo tal como ele é e unicamente luta por preservar o status quo — só pode levar à destruição. E isto porque, nas suas grandes linhas como nos seus detalhes, o mundo está irrevogavelmente condenado à acção destrutiva do tempo, a menos que os hu­manos estejam determinados a intervir, a alterar, a criar o novo. As palavras de Hamlet, «o tempo está fora dos gon­zos. Oh! sorte maldita, que nos fez nascer para restabelecer o seu curso», são verdadeiras para cada nova geração, ainda que, desde o início do nosso século, porventura tenham ad­quirido uma ainda validade maior do que anteriormente.

Hannah Arendt, "A Crise na Educação". Tradução de Olga Pombo, in Olga Pombo (org.), Quatro Textos Excêntricos. Relógio d’Água (2000).
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Um dos grandes equívocos da educação em Portugal reside na incompreensão do carácter conservador da função educativa. Um dos sintomas dessa incompreensão está na estrutura orgânica de escolas e agrupamentos de escolas. A escola portuguesa é uma espécie de república onde todos são iguais. Este equívoco expressa-se na existência de órgãos como a Assembleia de Escola e a presença de alunos, funcionários e encarregados de educação no Conselho Pedagógico, mesmo que de forma restrita.

A escola republicana não pode ser uma república; a escola democrática não pode ser uma democracia. Há distinções fundamentais entre professores e alunos, há deveres e direitos absolutamente desiguais. A organização escolar normal está muito mais próxima de uma perspectiva aristocrática. Ora é da negação desta orientação aristocrática da escola que nascem os mal-entendidos que têm conduzido às políticas e práticas aberrantes dos últimos decénios.

Neste momento, os próprios professores que durante muito tempo resistiram ao assalto das doutrinas ilógicas importadas do EUA e de França, estão a interiorizar um conjunto de chavões que acabam por conduzir a práticas educativas absolutamente dissolventes. Ao quererem ser modernos, ao quererem estar de acordo com os ventos da mudança, adoptam um jargão inqualificável que se traduz por práticas lectivas aberrantes e por uma cada vez maior permissividade. Neste momento, os professores, ao deixarem invadir o seu território, por todo este lixo ideológico (o eduquês) estão a demitir-se do seu papel conservador, estão a deixar que a ideologia do Ministério da Educação destrua as novas gerações, as torne um conjunto de gente iletrada.

Em tudo isto, há um extraordinário equívoco, que Arendt desmonta: para que a sociedade se transforme é necessário uma escola em contínua transformação. A verdade é radicalmente outra: precisamos de uma escola conservadora como ponto de apoio às transformações sociais. Foi a ignorância deste preceito que conduziu a educação ocidental a um beco do qual não se vislumbra saída. Se os professores não se derem conta do abismo para onde se estão a deixar conduzir, pode chegar o dia em que lhe peçam contas e lhes perguntem como puderam ser tão coniventes com aquilo que estava a destruir a sua missão, uma das mais nobres, de transmitir os valores fundamentais da sociedade (valores vindos do passado) às novas gerações. Não terá chegado já a altura dos professores assumirem a consciência da essência da sua missão?

1 comentário:

Anónimo disse...

Li o teu artigo ( Uma poética do nada )no último Torrejano. Notável, demasiado para a opinião pública alarve. Parabéns!
Euardo Bento