Não o homem, mas um deus, deve ser a medida de todas as coisas
Para meditação nos apressados tempos que nos couberam. Não o homem, mas um deus:
«Os crimes contra os direitos humanos, especialidade dos regimes totalitários, podem sempre justificar-se pela desculpa de que o direito equivale ao que é bom ou útil para um todo, em contraste com as suas partes. (O lema de Hitler, de que "o direito é aquilo que é bom para o alemão", é apenas a forma vulgar de uma concepção da lei que pode ser encontrada em toda parte e que, na prática, só não permanecerá eficaz se as tradições mais antigas, ainda em vigor nas constituições, o evitarem.) Uma concepção da lei que identifica o direito com a noção do que é bom — para o indivíduo, ou para a família, ou para o povo, ou para a maioria — torna-se inevitável quando as medidas absolutas e transcendentais da religião ou da lei da natureza perdem a sua autoridade. E essa situação de forma alguma se resolverá pelo facto de ser a humanidade a unidade à qual se aplica o que é "bom". Pois é perfeitamente concebível, e mesmo dentro das possibilidades políticas práticas, que, um belo dia, uma humanidade altamente organizada e mecanizada chegue, de maneira democrática — isto é, por decisão da maioria —, à conclusão de que, para a humanidade como um todo, convém liquidar certas partes de si mesma. Aqui, nos problemas da realidade concreta, confrontamo-nos com uma das mais antigas perplexidades da filosofia política, que pôde permanecer desapercebida somente enquanto uma teologia cristã estável fornecia a estrutura de todos os problemas políticos e filosóficos, mas que, há muito tempo atrás, levou Platão a dizer: "Não o homem, mas um deus, deve ser a medida de todas as coisas".»
Foto: http://www.notablebiographies.com/An-Ba/Arendt-Hannah.html
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Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, Companhia das Letras, p.332
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