Política e Religião
A maldade que deixa o seu esconderijo é impudente e destrói directamente o mundo comum; a bondade que sai do seu esconderijo e assume papel público deixa de ser boa: torna-se corrupta em seus próprios termos e levará essa corrupção para onde quer que vá. Assim, para Maquiavel, o motivo pelo qual a Igreja era uma influência corruptora na política italiana é que participava de assuntos seculares, e não a corrupção individual de bispos e prelados. Para ele, a alternativa apresentada pelo problema do domínio religioso da esfera pública era inevitavelmente esta: ou a esfera pública corrompia o clero e, consequentemente, se corrompia a si mesma, ou o clero permanecia incorrupto e destruía completamente a esfera pública. Uma igreja reformada constituía, portanto, um perigo ainda maior aos olhos de Maquiavel, que viu com grande respeito, mas com apreensão ainda maior, o reflorescimento religioso do seu tempo, as «novas ordens» que, «evitando que a religião fosse destruída pela licenciosidade dos prelados e dos chefes da Igreja», ensinam as pessoas a serem boas e a não «resistir ao mal» —, em decorrência do que «os governantes perversos podem fazer todo o mal que quiserem».
Hannah Arendt, A Condição Humana
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