O estado, a política esquizóide e a justa medida
Visitar blogues é uma tarefa curiosa. Deixa compreender a esquizofrenia da sociedade portuguesa. Por exemplo, os blogues dos liberais – existem em força na blogosfera – são uma cartilha intervencionista nas coisas dos costumes e das liberdades individuais. O estado só é inimigo quando intervém para regular a economia. Já os blogues dos adeptos da regulação da economia pelo estado são um paraíso liberal nos costumes. Esta forma de existência esquizóide não é nova. Ela encontra-se há muito espalhada pelo mundo ocidental e marca, mais ou menos, a cisão constitutiva da esfera política moderna: esquerda/direita. Eu sei que hoje está na moda falar também na oposição aberto/fechado, mas isso não passa de moda linguística. Amanhã estará esquecida, terá passado de moda.
O problema principal é que a modernidade política, pós-Maquiavel e talvez pela superior lição deste, nunca percebeu o estado. Os liberais vêem nele um inimigo da sociedade civil, embora sirva para defender os costumes que eles advogam. A esquerda, se não se converteu ao liberalismo, vê o estado, a partir da lição marxiana, como aquilo que há a ultrapassar na sociedade perfeita, o comunismo ou qualquer outra utopia.
Mas o Estado é mais do que tudo isso. É, na visão clássica de Hannah Arendt, a comunidade organizada para tomar decisões. Sem Estado não há sociedade civil, nem indivíduos, nem liberdade, nem segurança, nem vida, nem humanidade. A querela liberal-marxiana sobre o estado anima a vida política, mas assenta na ocultação da dialéctica comunidade-indivíduo-sociedade-estado. Os quatro membros desta dialéctica são solidários na sua existência: a falta de um arrasta o fim dos outros. A excelência é encontrar a «justa medida», o equilíbrio entre estes elementos, não deixar que uns dissolvam os outros.
Como tratar a esquizofrenia moderna? Voltar a Platão e a Aristóteles, voltar aos medievais, estudar Grécia e Roma, mas também o mundo político medieval. A Europa, a da UE, tal como a chegámos a conhecer foi uma das tentativas mais interessantes deste equilíbrio, desta justa medida, enquanto resistia ao marxismo de leste e ao liberalismo vindo do mundo anglo-saxónico. Hoje, porém, deixou-se arrastar e perdeu a arte da mesotes (meio termo), sintoma político da justa medida moral.
Talvez o fundamental seja retomar a relação entre moral e política, posto em causa por Maquiavel. A política como um puro jogo de forças, a política amoral, corrói as nossas sociedades democráticas, roubando-lhes a substância que faz delas algo de preferível a outro tipo de sociedades.
O problema principal é que a modernidade política, pós-Maquiavel e talvez pela superior lição deste, nunca percebeu o estado. Os liberais vêem nele um inimigo da sociedade civil, embora sirva para defender os costumes que eles advogam. A esquerda, se não se converteu ao liberalismo, vê o estado, a partir da lição marxiana, como aquilo que há a ultrapassar na sociedade perfeita, o comunismo ou qualquer outra utopia.
Mas o Estado é mais do que tudo isso. É, na visão clássica de Hannah Arendt, a comunidade organizada para tomar decisões. Sem Estado não há sociedade civil, nem indivíduos, nem liberdade, nem segurança, nem vida, nem humanidade. A querela liberal-marxiana sobre o estado anima a vida política, mas assenta na ocultação da dialéctica comunidade-indivíduo-sociedade-estado. Os quatro membros desta dialéctica são solidários na sua existência: a falta de um arrasta o fim dos outros. A excelência é encontrar a «justa medida», o equilíbrio entre estes elementos, não deixar que uns dissolvam os outros.
Como tratar a esquizofrenia moderna? Voltar a Platão e a Aristóteles, voltar aos medievais, estudar Grécia e Roma, mas também o mundo político medieval. A Europa, a da UE, tal como a chegámos a conhecer foi uma das tentativas mais interessantes deste equilíbrio, desta justa medida, enquanto resistia ao marxismo de leste e ao liberalismo vindo do mundo anglo-saxónico. Hoje, porém, deixou-se arrastar e perdeu a arte da mesotes (meio termo), sintoma político da justa medida moral.
Talvez o fundamental seja retomar a relação entre moral e política, posto em causa por Maquiavel. A política como um puro jogo de forças, a política amoral, corrói as nossas sociedades democráticas, roubando-lhes a substância que faz delas algo de preferível a outro tipo de sociedades.
3 comentários:
Há dias fui apanhado de surpresa. Daí este atrevimento.
Parece-me redutora e drástica a delimitação da área das tradicionais esquerda e direita confinando-a à “querela liberal-marxiana”... No fundo, é muito isso. Mas de há muito que não é só.
Então o discurso político na visão da filósofa prussiana (vg, em A Condição Humana), no que aos tais rótulos se refere, é inócuo? Tem de confinar-se àquela “querela” o esforço que cada um dos contendores põe no duelo em que pretende persuadir o outro, impor-lhe a sua opinião e arrebatar-lhe a admiração? Ou foge da tal classificação? Ou terá de rotular-se de centrista?
Ficam-me dúvidas...
(Curioso é que, sem querer, me deixei envolver, recentemente, em tal discussão entre dois caloiros da faculdade de Direito, da Clássica.) (E vi-me aflito para segurar as pontas...)
A esquerda e a direita são anteriores cronologicamente falando à querela liberal-marxiana. Mas serão anteriores logicamente? A lógica inerente à divisão do «parlamento» francês em esquerda e direita não seria já a que está presente no iluminismo escocês e em Marx?
É certo que houve tentativas de fugir à querela, mas não foram ao centro que elas existiram, mas no nazismo e no fascismo italiano. Também Salazar tentou fugir à querela. Não por ser fascista, não o era (por muito que isso incomode a demagogia política. Salazar era um anti-revolucionário, coisa que não era partilhada por Hitler e Mussolini), mas por ser anti-liberal e anti-marxista, tentando uma espécide fuga para o passado e o tradicionalismo, cruzado com um sonho imperial. Mas em Salazar foi apenas uma tentativa, acabou por proteger as forças económicas que estariam na base do "liberalismo" económico português.
Abraço
Recordo dois registos: "No fundo, é muito isso."
"E vi-me aflito para segurar as pontas..."
Creio que chega.
Mas gostei, porque lhe ofereci a deixa para uma boa "exposição de motivos", que no meu tempo se chamava "alegação".
Claro que ainda não acabou a discussão sobre como caracterizar o salazarismo... E nem estou minimamente preocupado com o incómodo que tal debate possa trazer à "demagogia política", já que adoro que ela seja incomodada.
Demais, e no que à velha e tradicional dicotomia concerne, ela aí está para durar na oralidade e na escrita mais comuns. Pese embora a apreciação do fenómeno em níveis mais elevados ou na retórica coxa dos tais demagogos (por razões opostas, como não podia deixar de ser: nos primeiros por mor do rigor, nos outros, de certas conveniências oportunistas)
Mas gostei.
E nem pretendo pedir meças, note-se.
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