Cavaco e a natalidade. Os limites do liberalismo.
Para além daquilo que é consensual na sociedade portuguesa, raramente estou de acordo com Cavaco Silva. Enquanto primeiro-ministro teve, ao contrário do que se gosta de fazer crer, uma acção absolutamente desastrosa – veja-se o que aconteceu em todos os níveis da educação, o que aconteceu na gestão dos fundos que começaram a vir da UE, o que aconteceu na função pública. Em tudo isto houve um misto de inépcia e de eleitoralismo. Um dia far-se-á a história do cavaquismo, daquilo que fez e daquilo que deveria ter feito, porque tinha os meios, mas não fez.
Hoje, porém, estou de acordo plenamente com o Presidente num assunto. É preciso fazer qualquer coisa para contrariar o modelo demográfico actual. Tem havido, na esfera da biopolítica, uma clara inversão de prioridades. O que tem sido a agenda nessa área tem-se centrado na possibilidade de negação da vida, desde a legalização do aborto até ao debate sobre a eutanásia, passando por temas mais ou menos folclóricos, que agora são chamados fracturantes. Digamos que as questões biopolíticas têm sido colonizadas por interesses particulares e não pelo bem comum. Todavia, estes temas, se olhados do ponto de vista dos interesses da comunidade, são relativamente marginais e tiveram o condão de criar uma cortina que oculta o problema central: a contínua quebra da natalidade. Sem multiplicação da espécie não há comunidade política possível. Fez bem Cavaco Silva ter chamado a atenção para o problema. Mais, dentro da classe política, foi o primeiro que muito claramente enunciou a questão da natalidade como um verdadeiro problema.
E fez bem ainda ao colocar a questão como a colocou: “No futuro, será difícil exigirmos do Estado uma maior fatia de recursos dirigidos à protecção e segurança social. Perante esta limitação, que tenderá a persistir mesmo em presença de medidas destinadas a assegurar uma acrescida sustentabilidade a prazo do sistema, teremos que questionar como poderão os cidadãos, instituições e comunidades contribuir para uma maior inclusão social.” O problema é um problema do Estado, mas também e fundamentalmente das comunidades, das instituições e, acima de tudo, dos cidadãos.
Mas a dificuldade reside mesmo aqui. Será que numa cultura como a nossa, baseada no hedonismo e numa irresponsabilização crescente, os indivíduos terão algum interesse em perpetuar-se? A intervenção do Presidente é pertinente, mas sofre de uma impotência fundamental: choca com a consciência individual e os seus interesses racionais. Não se pode querer ter uma sociedade completamente liberal na economia e depois não aceitar as decisões racionais (que têm a ver com o interesse próprio) do indivíduo. Será racional ter filhos, se isso vem roubar tempo, dinheiro e espaço para o meu próprio prazer? Será racional ter filhos, se o futuro deles vai ser um problema? É aqui que emergem os limites do liberalismo enquanto ideologia total. Uma sociedade completamente liberal seria uma sociedade que se auto-aniquilaria, retornando ao estado de natureza, um estado pré-política e, como muito bem viu Thomas Hobbes, de guerra de todos contra a todos, o que aliás é já prefigurado na ideologia dos mercados absolutamente desregulados.
Foto de bebé do blogue laços azuis: lacosazuis.blogs.sapo.pt/arquivo/1024686.html
Hoje, porém, estou de acordo plenamente com o Presidente num assunto. É preciso fazer qualquer coisa para contrariar o modelo demográfico actual. Tem havido, na esfera da biopolítica, uma clara inversão de prioridades. O que tem sido a agenda nessa área tem-se centrado na possibilidade de negação da vida, desde a legalização do aborto até ao debate sobre a eutanásia, passando por temas mais ou menos folclóricos, que agora são chamados fracturantes. Digamos que as questões biopolíticas têm sido colonizadas por interesses particulares e não pelo bem comum. Todavia, estes temas, se olhados do ponto de vista dos interesses da comunidade, são relativamente marginais e tiveram o condão de criar uma cortina que oculta o problema central: a contínua quebra da natalidade. Sem multiplicação da espécie não há comunidade política possível. Fez bem Cavaco Silva ter chamado a atenção para o problema. Mais, dentro da classe política, foi o primeiro que muito claramente enunciou a questão da natalidade como um verdadeiro problema.
E fez bem ainda ao colocar a questão como a colocou: “No futuro, será difícil exigirmos do Estado uma maior fatia de recursos dirigidos à protecção e segurança social. Perante esta limitação, que tenderá a persistir mesmo em presença de medidas destinadas a assegurar uma acrescida sustentabilidade a prazo do sistema, teremos que questionar como poderão os cidadãos, instituições e comunidades contribuir para uma maior inclusão social.” O problema é um problema do Estado, mas também e fundamentalmente das comunidades, das instituições e, acima de tudo, dos cidadãos.
Mas a dificuldade reside mesmo aqui. Será que numa cultura como a nossa, baseada no hedonismo e numa irresponsabilização crescente, os indivíduos terão algum interesse em perpetuar-se? A intervenção do Presidente é pertinente, mas sofre de uma impotência fundamental: choca com a consciência individual e os seus interesses racionais. Não se pode querer ter uma sociedade completamente liberal na economia e depois não aceitar as decisões racionais (que têm a ver com o interesse próprio) do indivíduo. Será racional ter filhos, se isso vem roubar tempo, dinheiro e espaço para o meu próprio prazer? Será racional ter filhos, se o futuro deles vai ser um problema? É aqui que emergem os limites do liberalismo enquanto ideologia total. Uma sociedade completamente liberal seria uma sociedade que se auto-aniquilaria, retornando ao estado de natureza, um estado pré-política e, como muito bem viu Thomas Hobbes, de guerra de todos contra a todos, o que aliás é já prefigurado na ideologia dos mercados absolutamente desregulados.
Foto de bebé do blogue laços azuis: lacosazuis.blogs.sapo.pt/arquivo/1024686.html
Foto de Cavaco Silva da The Max Schmidheiny Foundation: www.ms-foundation.org/awardees/1995/silva.htm
1 comentário:
Muito importante e oportuna reflexão.
"À bon entendeur, salut"...
Gostei.
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