Professor titular: o desprezo pelas pessoas
As elites políticas portuguesas, fundamentalmente quando exercem funções de governação, sentem um profundo desprezo pelas pessoas que governam. Um exemplo claro é o concurso para professor titular, agora a decorrer.
Todos se lembram da retórica da ministra da educação sobre a necessidade de premiar os melhores, de separar o trigo do joio. Para isso inventou uma nova categoria de professores, os chamados professores titulares, à qual acederiam os melhores. Eu nunca acreditei na retórica, mas faltava a prova empírica. Chegou o momento dessa prova, com a definição das regras de acesso a este primeiro concurso.
As pessoas que não trabalham na educação tendem a dar algum crédito ao discurso ministerial, mas a realidade é bem diferente. O método de selecção é baseado em putativos critérios objectivos, aos quais se atribui uma determinada pontuação. Aos professores que estão no topo da carreira, “basta” atingirem certo valor (95 pontos) para chegarem a professor titular. Os outros professores aptos a concorrer a titular não têm esse limite. Há uma seriação e quem tiver mais pontuação ocupa as vagas. Até aqui tudo parece normal.
O problema surge quando se olha para a realidade e se descobre quais são os critérios que dão pontos e os que não dão. Dão pontos mestrados e doutoramentos, o que, em princípio, será justo. Mas já não é justo que as classificações de licenciatura e as de estágio não sirvam para nada. Vale tanto um professor licenciado com 10 valores como um com 15, 16 ou 17. Vale tanto quem tenha um “estágio” (profissionalização) com 18 valores como quem tenha com 10. Aqui começamos a sentir a injustiça e o desprezo que o Ministério da Educação tem pelos professores.
Falou-se muito em assiduidade. Mas os critérios são tão largos que até “faltistas” militantes têm a pontuação máxima. São todos iguais, quer faltem muito, pouco ou nada, desde que não seja ao abrigo do desconto no tempo de férias. Neste item, mais uma vez, são quase todos iguais.
Os critérios decisivos são o ter estado a dar aulas e os cargos que se desempenhou. A maioria dos professores esteve a dar aulas e portanto está na mesma situação. O que na maior parte dos casos diferencia os professores são os cargos. Estes, na sua maioria, representavam uma diminuição no número de aulas a leccionar. Mais, nenhum desses cargos prova que o professor que o exerce é melhor do que outros. Funções de direcção, de assessoria, de direcção de turma, de grupo, departamento, etc., etc., aconteceram na maioria das escolas aleatoriamente, muitas vezes para certos professores «fugirem» aos alunos, outras pela distribuição do serviço e preenchimento de horários. Quem gosta de ensinar, prefere ter alunos do que cargos e redução no horário. Por outro lado, ser coordenador de departamento, p. ex., dá 6 pontos por ano, independente da pessoa ter sido excelente, sofrível ou medíocre coordenador. Além da redução no horário, o professor agora é premiado com uma mais valia no concurso. É o que se chama duplo jackpot. O mesmo se passa para os outros cargos.
Curiosamente, os resultados dos alunos em exame não servem para nada. Tanto mérito tem aos olhos do ME o professor cujos alunos por norma têm bons resultados, como aquele cujos alunos têm maus ou péssimos. São todos iguais.
Começa-se já a sentir pelas escolas uma grande insatisfação e um sentimento de injustiça, pois as pessoas conhecem-se umas às outras. Há pessoas com mais de 30 anos de ensino, uma dedicação aos seus alunos extraordinária, e pelo facto de «apenas» terem ensinado e não terem tido, nos últimos 7 anos, cargos (que os outros tiveram com redução de horário) são preteridos por professores reconhecidamente medíocres, que o acaso fez que acumulassem cargos, que os professores sempre consideraram de pouco relevo para a aprendizagem dos alunos.
Esta atitude é a imagem de marca do actual ministério. Quando estalou a polémica sobre as aulas de substituição, a sociedade não percebeu o que indignou muitos professores. Mas o que os indignou foi o castigo a que os professores que por norma não faltavam receberam. Além de dar as suas aulas, têm de tomar conta dos alunos daqueles que faltam. Sem prémios, nem castigos, a não ser para aquele que cumpre. Estranho critério de justiça.
Maria de Lurdes Rodrigues, Jorge Pedreira e Valter Lemos são símbolos da atitude política dos governantes para com os governados: desprezo pelas pessoas, busca de uma hipotética eficácia (esta pressa de encontrar titulares) à custa do atropelamento dos indivíduos e da criação de inúmeras situações de injustiça, por esse país fora. Mas isto é apenas uma amostra do profundo desprezo que as elites políticas, ao chegar ao governo, têm pelos governados. Qualquer coisa, por mais arbitrária que seja, serve para governar a gentalha que está lá para baixo.
Isto podia ser resolvido de outra maneira? Podia, se o ME não desprezasse os «seus» professores. Utilizava como titulares e de forma provisória os professores no topo da carreira, os mais velhos, e abria concurso com prestação de provas públicas e análise curricular, com a valorização da dimensão científica do ensino e dos resultados dos alunos, perante um júri independente, durante os próximos anos. Seria justo e as escolas funcionariam como o ME deseja. Mas aquilo que se pretende, parece, é humilhar ainda mais os professores.
Mostra ainda outra coisa: o desprezo pelos eleitores. Depois de encher a boca com a defesa da escola pública, quando chegou a altura de mostrar a realidade, o que o ME deu aos portugueses não foi uma escola na qual os professores com mérito são reconhecidos, mas um jogo de lotaria, uma espécie de eurotostões, que tornará a escola portuguesa ainda menos séria, mas agora com relações pessoais, entre os professores, cada vez mais degradadas e degradantes. Uma escola medíocre, eis o resultado. Pela obra se reconhece o obrador.
Foto: http://visao.clix.pt/ImagensConteudos/marialurdesrodrigues_foto.jpg
Todos se lembram da retórica da ministra da educação sobre a necessidade de premiar os melhores, de separar o trigo do joio. Para isso inventou uma nova categoria de professores, os chamados professores titulares, à qual acederiam os melhores. Eu nunca acreditei na retórica, mas faltava a prova empírica. Chegou o momento dessa prova, com a definição das regras de acesso a este primeiro concurso.
As pessoas que não trabalham na educação tendem a dar algum crédito ao discurso ministerial, mas a realidade é bem diferente. O método de selecção é baseado em putativos critérios objectivos, aos quais se atribui uma determinada pontuação. Aos professores que estão no topo da carreira, “basta” atingirem certo valor (95 pontos) para chegarem a professor titular. Os outros professores aptos a concorrer a titular não têm esse limite. Há uma seriação e quem tiver mais pontuação ocupa as vagas. Até aqui tudo parece normal.
O problema surge quando se olha para a realidade e se descobre quais são os critérios que dão pontos e os que não dão. Dão pontos mestrados e doutoramentos, o que, em princípio, será justo. Mas já não é justo que as classificações de licenciatura e as de estágio não sirvam para nada. Vale tanto um professor licenciado com 10 valores como um com 15, 16 ou 17. Vale tanto quem tenha um “estágio” (profissionalização) com 18 valores como quem tenha com 10. Aqui começamos a sentir a injustiça e o desprezo que o Ministério da Educação tem pelos professores.
Falou-se muito em assiduidade. Mas os critérios são tão largos que até “faltistas” militantes têm a pontuação máxima. São todos iguais, quer faltem muito, pouco ou nada, desde que não seja ao abrigo do desconto no tempo de férias. Neste item, mais uma vez, são quase todos iguais.
Os critérios decisivos são o ter estado a dar aulas e os cargos que se desempenhou. A maioria dos professores esteve a dar aulas e portanto está na mesma situação. O que na maior parte dos casos diferencia os professores são os cargos. Estes, na sua maioria, representavam uma diminuição no número de aulas a leccionar. Mais, nenhum desses cargos prova que o professor que o exerce é melhor do que outros. Funções de direcção, de assessoria, de direcção de turma, de grupo, departamento, etc., etc., aconteceram na maioria das escolas aleatoriamente, muitas vezes para certos professores «fugirem» aos alunos, outras pela distribuição do serviço e preenchimento de horários. Quem gosta de ensinar, prefere ter alunos do que cargos e redução no horário. Por outro lado, ser coordenador de departamento, p. ex., dá 6 pontos por ano, independente da pessoa ter sido excelente, sofrível ou medíocre coordenador. Além da redução no horário, o professor agora é premiado com uma mais valia no concurso. É o que se chama duplo jackpot. O mesmo se passa para os outros cargos.
Curiosamente, os resultados dos alunos em exame não servem para nada. Tanto mérito tem aos olhos do ME o professor cujos alunos por norma têm bons resultados, como aquele cujos alunos têm maus ou péssimos. São todos iguais.
Começa-se já a sentir pelas escolas uma grande insatisfação e um sentimento de injustiça, pois as pessoas conhecem-se umas às outras. Há pessoas com mais de 30 anos de ensino, uma dedicação aos seus alunos extraordinária, e pelo facto de «apenas» terem ensinado e não terem tido, nos últimos 7 anos, cargos (que os outros tiveram com redução de horário) são preteridos por professores reconhecidamente medíocres, que o acaso fez que acumulassem cargos, que os professores sempre consideraram de pouco relevo para a aprendizagem dos alunos.
Esta atitude é a imagem de marca do actual ministério. Quando estalou a polémica sobre as aulas de substituição, a sociedade não percebeu o que indignou muitos professores. Mas o que os indignou foi o castigo a que os professores que por norma não faltavam receberam. Além de dar as suas aulas, têm de tomar conta dos alunos daqueles que faltam. Sem prémios, nem castigos, a não ser para aquele que cumpre. Estranho critério de justiça.
Maria de Lurdes Rodrigues, Jorge Pedreira e Valter Lemos são símbolos da atitude política dos governantes para com os governados: desprezo pelas pessoas, busca de uma hipotética eficácia (esta pressa de encontrar titulares) à custa do atropelamento dos indivíduos e da criação de inúmeras situações de injustiça, por esse país fora. Mas isto é apenas uma amostra do profundo desprezo que as elites políticas, ao chegar ao governo, têm pelos governados. Qualquer coisa, por mais arbitrária que seja, serve para governar a gentalha que está lá para baixo.
Isto podia ser resolvido de outra maneira? Podia, se o ME não desprezasse os «seus» professores. Utilizava como titulares e de forma provisória os professores no topo da carreira, os mais velhos, e abria concurso com prestação de provas públicas e análise curricular, com a valorização da dimensão científica do ensino e dos resultados dos alunos, perante um júri independente, durante os próximos anos. Seria justo e as escolas funcionariam como o ME deseja. Mas aquilo que se pretende, parece, é humilhar ainda mais os professores.
Mostra ainda outra coisa: o desprezo pelos eleitores. Depois de encher a boca com a defesa da escola pública, quando chegou a altura de mostrar a realidade, o que o ME deu aos portugueses não foi uma escola na qual os professores com mérito são reconhecidos, mas um jogo de lotaria, uma espécie de eurotostões, que tornará a escola portuguesa ainda menos séria, mas agora com relações pessoais, entre os professores, cada vez mais degradadas e degradantes. Uma escola medíocre, eis o resultado. Pela obra se reconhece o obrador.
Foto: http://visao.clix.pt/ImagensConteudos/marialurdesrodrigues_foto.jpg
3 comentários:
Concordo, e de que maneira, com o que aqui diz mas ressalvo um ponto.
Quando escreve "Curiosamente, os resultados dos alunos em exame não servem para nada. Tanto mérito tem aos olhos do ME o professor cujos alunos por norma têm bons resultados, como aquele cujos alunos têm maus ou péssimos. São todos iguais."
Pergunto: É professor? Nunca teve uma turma com diferentes alunos e com resultados díspares? Está mesmo convencido que o resultado dos exames e das provas dependem apenas da capacidade do professor?
Pois olhe que não é assim tão simples!
Profª
Sou professor e estou habituadíssimo a levar alunos a exame. O que eu constato, apesar das diferenças entre turmas, é a existência de padrões de comportamento ligados ao desempenho de certos professores.
A questão não é simples e, por isso, deveria merecer estudo e um cálculo de forma a ter em conta as variações dos alunos e a história deles na disciplina. Há alturas que um média de 10 em certas turmas vale mais do que uma média de 15 em outras, indica um melhor trabalho do professor. Mas tudo isso pode ser equacionado. E seria muito mais decente e honesto do que aquilo que coube em sorte aos professores portugueses: a pura arbitrariedade.
JCM
«11-Jun-2007
Cecilia honorio
O deserto do concurso para professor titular
O concurso para professor titular (não é a caça ao título é a condição de progressão numa carreira hiper-congelada) é mais um retrato sinistro deste ministério.
Primeiro, nem é bem um concurso, é uma coisa que se faz escola a escola, sem critérios controláveis, sem que se perceba, por exemplo, qual a razão - e quando a ministra falava de 1/3 de vagas para as candidaturas de 8.º e 9.º escalão - para a escola A ter 1/2 de vagas para o departamento de matemática e ciências experimentais e 1/4 para o de ciências sociais e humanas. Transparência zero.
Neste pseudo concurso, onde contam apenas os últimos 7 anos (quer se tenha vinte ou trinta de serviço), a classificação profissional não conta e bons e maus resultados com os alunos valem o mesmo. O que conta mesmo é ter cargos. Mas nem todos. Ser presidente de um conselho executivo dá 9 pontos por ano, coordenador de departamento (cargo que pode ser gerido com uma a duas reuniões por período) vale 6, mas a direcção de uma escola de 1.º ciclo dá 4 e um director de turma vale 2, e até era para não valer nada.
Este concurso, que vai esmagar milhares de professores de forma injusta e humilhante, parece apenas ser filho da loucura ou da arbitrariedade absoluta. Exemplifica-se: A, com mais de trinta anos de serviço, com 18 de classificação profissional, e que não tenha tido cargos nos últimos 7 anos (podendo mesmo ter dado as melhores aulas do planeta e com os melhores resultados e ter desempenhado no passado todos os cargos e mais alguns) poderá não ter pontos para ser titular, ao contrário de B que, tendo média de 10, tenha sido presidente de um conselho executivo nos últimos 7 anos, ou tenha dado aulas e, com redução da componente lectiva, assumido a coordenação dos professores da sua disciplina...
Não vale a pena multiplicar exemplos sórdidos porque eles serão, infelizmente, vividos na pele, e menos ainda achar que o problema é @ professor A ou B (não quer a ministra outra coisa). E parece arbitrariedade absoluta, mas não é.
Sabendo-se que a ministra encomendou um estudo para reestruturar a carreira dos professores que teve a carreira militar como referência, e já nada estranhando, não faltou quem pensasse que os 7 anos de apreciação curricular tinham uma qualquer carga simbólica. Mas o Decreto-Lei 200/2007, que regula este concurso, está para além da pura alucinação ou da simples fantasia. Tem um objectivo político claro e não é uma pura criação deste ministério: destina-se a premiar os poderes instalados com o modelo de gestão dado à luz pelo 115-A/98. É só por isso que são pesados 7 anos e não mais.
Poderá dizer-se: quem é que ia adivinhar? Quem ia saber que se não se fizesse ao cargo a partir de 98 podia ficar a chuchar no dedo? Quem é que ia prever que só os cargos assumidos desde aquela data seriam a fonte do prémio e do castigo na progressão na carreira? Quem é que ia adivinhar que uma ministra da educação, saída das trevas socialistas, ia mesmo levar até ao fim uma cadeia hierárquica de burocratas?
Sem generalizações à laia deste ministério (e com o respeito devido a muita gente séria, presidentes de conselhos executivos e detentores de cargos de gestão intermédia, que por esse país fora dá o que pode e o que não pode) a verdade dói: o PS sabia que um dia ia ser assim e há poderes instalados nas escolas que, aqui e ali, também o sabiam e foram antecipando as suas cadeias internas de poder. Agora, só falta mesmo à ministra dar a última cacetada nos últimos resquícios da gestão democrática das escolas.
Os sindicatos interpõem providência cautelar ao concurso e comprometem-se a ir até ao fim, o PSD pede a apreciação parlamentar do diploma (o BE não o pode fazer por não ter número suficiente de deputados), e a unanimidade possível é a da brutalidade da arbitrariedade, esperando-se que, ao menos desta vez, deputados e deputadas do PS não voltem a deixar declarações de um voto amordaçado.
Hoje, são quase todas as razões que exigem às e aos professores o melhor do seu direito à indignação, o melhor da sua capacidade de luta e da sua força para impedir a fragmentação da sua identidade e a recolocar no centro do futuro, que é esse o seu lugar.
Cecília Honório »
http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=3084&Itemid=46
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