A questão do regime

O que estamos a assistir é a mais uma recidiva do antiparlamentarismo português, encabeçada, como é hábito, de forma oblíqua pelo Presidente. Há um pressentimento em certos sectores de que o actual regime está gasto. Como não se vive em tempos – por enquanto – que permitam um regime de democracia muito limitada, a esperança do antiparlamentarismo português vira-se para a solução presidencialista. Por detrás destas posições está uma crença arreigada nas soluções providencialistas. É mais fácil um homem providencial salvar o país do que este encontrar o equilíbrio através do conflito parlamentar. O que me deixa perplexo, neste tipo de convicções, é a crença de que esse homem providencial estaria aí ao virar da esquina. O problema de Portugal, porém, não é do regime, seja parlamentar, semi-parlamentar ou presidencial. O problema é a cultura cívica instalada tanto na população como nas elites políticas. Não consigo perceber por que razão um presidente seria melhor governante do que um primeiro-ministro. Toda a retórica sobre a alteração do regime que por aí se desenvolve assenta num jogo de aparências que distorce a realidade política do país. Não será pelo facto de sermos governados por um presidente que deixaremos de ser quem somos e que esse presidente deixará de ser quem é. Não nos iludamos, com presidente ou com primeiro-ministro o espírito do tempo não deixa de ser o que é, nem as pessoas se converterão a uma espécie de santidade cívica. Se aquilo que está desagrada a muitos, pode haver dois caminhos diferenciados. O primeiro será o do retorno ao paternalismo; o segundo radicará numa atitude mais autónoma e exigente dos indivíduos que constituem a comunidade. Talvez a democracia portuguesa precise menos de uma alteração de regime e mais de um maior controlo por parte de cidadãos exigentes.
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