03/08/08

A Queda

Faz hoje 40 anos que Oliveira Salazar caiu da cadeira. Aquilo que bombistas, oposicionistas, gente do reviralho e ex-correligionários não conseguiram, fê-lo uma mera cadeira de lona. Sem grandeza e sem mistério, mas também sem o opróbrio que atingiu gente como Mussolini ou, mais tarde, Ceausescu. A queda do homem de Santa Comba foi também a queda de um regime e de uma certa concepção de Portugal. Marcelo Caetano representa apenas um interregno entre dois mundos. Serão 40 anos suficientes para encetar uma compreensão mais independente da acção de Salazar? Terá chegado o tempo de pôr de lado o panegírico e a diatribe panfletária mascarados com o véu da ciência histórica?

Encerra-se na figura do ditador uma certa simbolização do país e do povo que fomos, que talvez ainda sejamos. Mas essa simbolização não deve ser apenas compreendida como conjunto de características comunitárias que encontrariam na pessoa do antigo chefe do governo a sua expressão concentrada. A virtude de Salazar deve também ser vista como um negativo fotográfico, o outro lado daquilo que, como povo, temos de vicioso. É esta natureza simbólica da personagem, uma natureza ambivalente, que gera a relação de amor e de ódio que os portugueses mantêm com ela. Talvez o primeiro passo para a sua compreensão passe por uma espécie de psicanálise do símbolo que Salazar é, pelo menos para evitar as armadilhas da projecção e do transfert.

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