06/08/08

Hiroshima

Passa hoje mais um aniversário do lançamento da bomba atómica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Este é um acontecimento decisivo na história do homem. Não porque tenha, com o seu aparato e o infinito cortejo de mortos e doentes e segundo uma contabilidade ao mesmo tempo realista e macabra, poupado centenas de milhares de vítimas, nem porque tenha evidenciado a especial perversidade dos americanos. O que há de decisivo neste acontecimento é a constatação de que o homem, seja americano ou pigmeu, não hesitará em lançar mão daquilo que puder para alcançar os seus objectivos. Mas o acontecimento é ainda decisivo porque foi o dia em que a ciência-técnica ocidental perdeu a inocência e a aura em que estava envolvida desde a «santificação» de Galileu. Em Hiroshima, sobre um pântano de cadáveres, reinou como uma estrela brilhante essa profunda aliança entre saber e poder. Foi mais um passo, um passo decisivo, na construção do nosso admirável mundo novo.

1 comentário:

maria correia disse...

A inocência já não existia. Foi perdida logo naquele éden primordial, quando nos atrevemos a provar o fruto da árvore do bem e do mal. O mito é o nada que é tudo, dizia Pessoa. Stanley Kubrick demonstrou bem a aliança entre poder e saber no magnífico 2001 Odisseia no Espaço, quando o macaco atira o osso para afastar o bando inimigo, arma essa que automaticamente aparece metamorfoseada, na imagem seguinte, numa magnífica nave espacial,cena acompanhada do som do espantoso O Danúbio Azul....Ainda por cima, o Danúbio Azul...Hiroshima foi pior do que os milhões de mortes de Staline ou de Hitler? O requinte pérfido não é o mesmo? E em Waterloo, quantos morreram? E na Guerra dos Cem anos? E na guerra contra Angola? Hiroshima ultrapassa a marca da inocência perdida: é o início do Terror puro, aquele de que Thomas Mann fala em A Montanha Mágica. O pior de tudo, é que a inocência, uma vez perdida, é inexoravelmente irrecuperável.