Crónicas Normandas II - No cemitério alemão
Todo o cemitério está pensado segundo uma racionalidade geométrica, como se, depois da aventura da desrazão nazi, os alemães tivessem sentido a necessidade de voltar aos fundamentos da razão moderna, à natureza matemática que a habitava. É um cálculo vindo das trevas o que ali se encontra, o produto de uma ilusão, a transformação da violência do combate e do pânico da morte – sim, entre todos os que ali estão sepultados, haveria algum que, no mais fundo de si, não sentisse esse pânico? A falência da ordem normal da vida, que todo o combate traz, não acenderia nas suas almas uma angústia inexplicável, mesmo se esquecida na hora de mostrar a coragem? – numa paisagem de recolhimento meditativo, num jardim onde o visitante espera ver monges a passear, de espírito recolhido, enquanto aguardam a revelação do deus.
Por vezes, há uma flor deixada na campa que ostenta um nome, um nome que ainda alguém reconhece como sendo da família, talvez um amigo querido que por ali ficou, um companheiro de escola, um namorado que não chegou nunca ao tempo das núpcias. Mas tudo é tão raso, um mar de campas, muitas delas ocupadas por dois viajantes, que juntos, quem sabe se não se odiariam, entraram para a viagem eterna de onde não se retorna. O barqueiro que a todos recolhe não faz acepção de nomes, nem de ódios ou amores, junta movido pela lei do capricho que habita no frio coração que é o seu. Aqui e ali, segundo um obscuro desígnio arquitectural, erguem-se conjuntos de cruzes de Malta, cinco cruzes, sublinhando a esperança da ressurreição ou o mero anúncio do retorno silente dos alemães à casa da cristandades, esquecidas as pulsões heróicas da mitologia bárbara que os animava durante a guerra. Nem Odin, nem as valquírias, apenas a humilhante cruz do Cristo.
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