Barbárie doce ou desrazão?
Nunca uma sociedade dispôs de tanta informação sobre si mesma, nunca uma sociedade fez até à exaustão o culto da performance em todos os domínios de actividade. Nunca os indivíduos foram tão avaliados e solicitados a comprometerem-se em projectos personalizados e a «projectar-se positivamente no futuro». Isto passa-se no momento mesmo em que a sociedade parece já não estar certa de saber para onde vai. Esta auscultação permanente e o culto da performance mascaram uma surda angústia face a questões que não se podem apagar: «a modernização serve para quê? A que preço, do ponto de vista dos ‘adquiridos’ sociais e das finalidades do ‘viver-juntos’? Para ir para que tipo de sociedade? [Jean-Pierre Le Goff, La barbárie douce]
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A reflexividade exaustiva do mundo contemporâneo, este constante escrutínio sobre tudo e sobre todos, a paranóia da avaliação contínua, são a confissão da impotência fundamental que as nossas sociedades sentem perante a realidade em geral, e a realidade humana, em particular. A imprevisibilidade da natureza e a falibilidade humana são inaceitáveis para uma consciência que se quer proprietária do real e de si mesma.
Como o controlo total da natureza é impossível, como a falibilidade dos homens é inultrapassável, resta apenas transformar a vida em sociedade num campo de concentração. Instituições públicas e privadas, onde os homens trabalham, são, hoje em dia, não a expressão da razão, mas de uma loucura cada vez menos dissimulada. Um exemplo a partir da minha experiência profissional: não é importante que um professor ensine, importante são os processos organizacionais das escolas, as avaliações a tudo e a todos, a criação de estruturas burocráticas que servem apenas para criar um clima de asfixia dos indivíduos e de morte das comunidades.
Jean-Pierre Le Goff fala de barbárie doce. É um facto que a violência física está muito dissimulada, mas a simbólica é crescente e está escorada, como todos sabemos, na violência física. Ora esta barbárie é fundamentalmente um estado paranóico em que vivemos. As actividades humanas perderam o sentido e a dimensão próprias do homem. O que se quer são performances dignas de deuses ou de super-homens. Note-se o papel modelar que constituem socialmente os atletas de alta competição, como se não fossem todos eles produtos artificiais e puras excepções. Peguemos nesta metáfora e expliquemos o que se está a viver: a vida dos homens, nos diversos campos de actividade, é regulada por um imperativo de desempenho que se poderia analogar à situação em que todos nós, novos e velhos, gordos e magros, homens e mulheres, fôssemos obrigados a correr os 100 metros em 9,75 segundos. Isto apenas pode vir de gente que enlouqueceu. A barbárie doce é a pura desrazão, a loucura mais atroz, o suprimir do que há de humano na extraviada humanidade, a produção exaustiva da irrelevância na vida das sociedades modernas.
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A reflexividade exaustiva do mundo contemporâneo, este constante escrutínio sobre tudo e sobre todos, a paranóia da avaliação contínua, são a confissão da impotência fundamental que as nossas sociedades sentem perante a realidade em geral, e a realidade humana, em particular. A imprevisibilidade da natureza e a falibilidade humana são inaceitáveis para uma consciência que se quer proprietária do real e de si mesma.
Como o controlo total da natureza é impossível, como a falibilidade dos homens é inultrapassável, resta apenas transformar a vida em sociedade num campo de concentração. Instituições públicas e privadas, onde os homens trabalham, são, hoje em dia, não a expressão da razão, mas de uma loucura cada vez menos dissimulada. Um exemplo a partir da minha experiência profissional: não é importante que um professor ensine, importante são os processos organizacionais das escolas, as avaliações a tudo e a todos, a criação de estruturas burocráticas que servem apenas para criar um clima de asfixia dos indivíduos e de morte das comunidades.
Jean-Pierre Le Goff fala de barbárie doce. É um facto que a violência física está muito dissimulada, mas a simbólica é crescente e está escorada, como todos sabemos, na violência física. Ora esta barbárie é fundamentalmente um estado paranóico em que vivemos. As actividades humanas perderam o sentido e a dimensão próprias do homem. O que se quer são performances dignas de deuses ou de super-homens. Note-se o papel modelar que constituem socialmente os atletas de alta competição, como se não fossem todos eles produtos artificiais e puras excepções. Peguemos nesta metáfora e expliquemos o que se está a viver: a vida dos homens, nos diversos campos de actividade, é regulada por um imperativo de desempenho que se poderia analogar à situação em que todos nós, novos e velhos, gordos e magros, homens e mulheres, fôssemos obrigados a correr os 100 metros em 9,75 segundos. Isto apenas pode vir de gente que enlouqueceu. A barbárie doce é a pura desrazão, a loucura mais atroz, o suprimir do que há de humano na extraviada humanidade, a produção exaustiva da irrelevância na vida das sociedades modernas.
1 comentário:
"Como o controlo total da natureza é impossível, como a falibilidade dos homens é inultrapassável, resta apenas transformar a vida em sociedade num campo de concentração."
Os gestores de recursos humanos são os guardas dos novos campos de concentração.
Pena que as pessoas estejam tão ocupadas com coisas inúteis e não se apercebam do que se está a passar... :-s
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