A guerra de civilizações, que a "inteligência" ocidental persiste em pretender que não existe, entrou numa nova fase. Anteontem, o número 2 da Al-Qaeda, al-Zawahiri, proclamou que a "mais poderosa potência da humanidade está a ser derrotada pelas vanguardas muçulmanas da jihad" no Iraque e no Afeganistão. E está. Do Iraque, não vale a pena falar. No Afeganistão, de que pouco se fala, os produtores de ópio continuam a mandar e os taliban empurraram as forças da "Europa" e da América para uma posição mais do que precária. Pior ainda, a opinião pública já dá toda a aventura por perdida e só pensa em acabar com ela. O sucessor de Bush terá, tarde ou cedo, de sair do Iraque e, sem o Iraque, a presença de uns milhares de soldados no Afeganistão não serve de nada.
Esta vitória, uma vitória estratégica e não simplesmente táctica, fez passar a Al-Qaeda, como, de resto, é clássico, da defensiva para a ofensiva. Em primeiro lugar, contra o Paquistão, a única potência nuclear islâmica. Anteontem, solenemente, Bin Laden "declarou guerra" ao general Musharraf e ao "exército apóstata" que ele comanda. Vinda de um homem que vive escondido numa caverna, a declaração parece ridícula. Não é. Musharraf representa a odiada aliança americana, Bin Laden o ódio absoluto ao infiel; e a popularidade de Bin Laden excede hoje, no próprio Paquistão, a popularidade de Musharraf. Em véspera de eleições, o anátema da Al-Qaeda "marca" o general e talvez consiga impedir a formação de um Governo suficientemente forte para apoiar a América.
Depois do Paquistão, a Al-Qaeda também quer o Magrebe "limpo dos filhos da Espanha e da França". Não há, neste momento, muitos filhos da Espanha e da França no Magrebe, mas mesmo esses não são toleráveis para al-Zawahiri. Nem os filhos, por assim dizer, espirituais do Ocidente, que sustentam o Estado "laico" ou "semilaico", na Líbia, na Tunísia, na Argélia e em Marrocos. Contra esses, guerra santa. E guerra santa, enfim, contra os presentes proprietários do al-Andalus, por outras palavras, contra Portugal e a Espanha. Quem achar isto retórica, que se lembre de Madrid em 2004. Os políticos que se dedicam a louvar e a mimar os "moderados" do islão não percebem uma realidade básica: o extremismo é o único caminho para uma civilização falhada e o extremismo ganha. [Público, 22 de Setembro de 2007]
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Na passada 5.ª feira fez-se, neste blogue, um post sobre este mesmo assunto, focado fundamentalmente na questão da
reconstrução do al-Andalus. Há muitos anos que esta questão me preocupa e perturba. Recordo-me de um insignificante episódio ocorrido há cerca de 20 anos na minha escola. Estava-se na euforia da entrada para a CEE e fez-se umas sessões sobre a Europa. Numa delas, fiz uma "conferência" sobre a Europa e a Filosofia. No fim, naquela conversa mole que acaba por ocorrer, afirmei a minha convicção de que Portugal deveria reforçar as suas forças armadas e a sua pertença à NATO. A mentalidade de esquerda ou pacifista reinante em muitos dos meus colegas fê-los olhar para mim com desprezo. Argumentaram que Portugal vivia num mundo seguro e que as nossas fronteiras eram absolutamente pacíficas. Respondi que não, que as fronteiras do Sul, isto é, com o mundo islâmico estavam longe de ser tão pacíficas quanto se imaginava. Olharam para mim com infinita piedade. Os olhos de alguns reflectiam a sua convicção de eu me encontrar em avançado estado de decomposição mental.
Não estava. Desde a Revolução iraniana que o mundo islâmico me interessa e desde, pelo menos, o início dos anos 80, ainda o mundo vivia em plena guerra-fria, que venho a "coleccionar" sintomas de um conflito que não nos deixa a nós, portugueses, de fora, pelo contrário. Há muito que sei da existência, em Marrocos, de sectores radicais que reivindicam o al-Andalus. Escrevo, no Jornal Torrejano, sobre a ameaça islâmica há já alguns anos. Mas eu sou eu. Agora que é o Vasco Pulido Valente a chamar a atenção para o problema, a coisa talvez comece a ser levada em consideração. Embora, a tendência seja a de enterrar a cabeça na areia, assobiar para o lado e fingir que não se está a passar nada. Está, e não é nada agradável o que lentamente se prepara.