12/08/07

Diário de um banhista - XII

O mal sempre vem. Hoje, domingo, ocorreu o que temia na semana passada. Regra da casa: ao domingo, ninguém põe pé na praia, seja esta qual for. Que aconteceu, hoje, domingo? Foi declarado dia de excepção. Por que motivo, Senhor, fizeste tão inconstantes as tuas criaturas? Tudo para a praia; a criançada banhante na vanguarda solar. Criançada quer dizer aqui: gente entre os 20 e os 27 anos. Mas quem será fiel às regras expressas para regulação da comunidade? No dia em que as regras não forem cumpridas por ninguém ainda serão regras? E poderá uma comunidade, pequena que seja, viver sem regras? Não, não, mil vezes não.

Eu, o banhista por antonomásia, decido abdicar do meu prazer da areia, dos escaldões solares, da gratificante companhia dos milhares e milhares de seres humanos que vêm exibir para a praia a sua humanidade, abdico, repito-me, da excelência da sua companhia nas águas onde mergulho e decido, reafirmo, assim e num gesto de puro altruísmo, sacrificar-me pelos valores comunitários. Vão sem mim, digo, com um ar pesaroso e compungido, como se tivesse acabado de sair de um confessionário. Tenho pena de não os acompanhar, faço notar, mas fico por aqui a garantir o cumprimento zeloso das regras, a dar o exemplo que os mais novos, quando forem mais velhos e perceberem o alcance do gesto, reterão e transmitirão à sua descendência, se a tiverem.

Abandonado por todos, sem esperança de uma sardinhada dominical, condenado a uma refeição frugal, o fiel banhista aqui está perante o computador a cumprir a sua missão: narrar a sua gesta, contar aos outros os seus feitos, propagar ao mundo a sua epopeia nas praias de Portugal. É um fresco épico o que o meu ego me pede, um fresco que cale as navegações de gregos e de troianos e até de lusitanos. Sinto-me já o novo Camões anunciado pelo Pessoa. Suave é a carícia das ninfas e o vento da inspiração.

Mas o que resta a quem fica só? A memória, a doce mas infiel memória. A recordação das aventuras tidas, dos banhos tomados, dos mergulhos dados. A única coisa que posso fazer é desfolhar o glorioso livro da minha estadia a banhos e dar a conhecer os extraordinários episódios onde, nestes dias, se revelou a minha essência de banhista. Mas será que vale a pena repetir-me? Não será este diário, fiel acompanhante e confidente querido, a expressão mais viva dessas aventuras? Valerá a pena fazer como as pessoas já entradas na idade e repetir-me até não mais me poderem ouvir?

Não, vou poupar o leitor aos meus acessos temporãos de senilidade e calar-me. Desde que deixei de ir à missa e ao futebol, o domingo sempre foi um dia triste, salpicado de angústia. Remeto-me ao silêncio. Nele, conforta-me o espaço espiritual onde a minha memória, a doce memória destes dias bem-aventurados, me vai consolar. Sim, a rememoração sempre foi a mais doce das consolações. É ela que vai ser o analgésico para a dor de tanto abandono e tanta traição. É duro ser um fiel banhista.

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