06/08/07

Diário de um banhista - VI

Frívolo banhista, quem te manda a ti tentar os deuses? Mal sabes tu que eles concedem aos mortais aquilo que estes mendigam. Então, não foste tu que ontem falaste em tempo cinzento, aragens frescas, ventos a cortar a face? Então, toma, aí o tens. Hoje levantei-me decidido a cumprir o meu estatuto de banhista, homem que corta as ondas, lobo-do-mar. Feitas as abluções matinais, tomado o pequeno-almoço, logo exclamei: para a praia. Olharam-me com comiseração. Vi estampado nas faces um juízo irónico sobre a minha sanidade mental, mas ninguém disse o que quer que fosse. Se é para ir à praia, então toca a andar. E lá se foi…

O pior foi sair do carro. Uma nortada das antigas. Não cortava a face, não, cortava o corpo todo, varria os banhistas da praia, levantava ondas de areia, acastelava as águas, semeava um reboliço que mais parecia um terreiro de feira corrido a varapau. Agora, vamos, sussurraram-me. Gaguejo, conto aquela história do anúncio da Sagres – ao mar, ao mar, ao mar; ao bar, ao bar, ao bar – mas ninguém acha graça. Para a praia, para a praia, exclamam, isto não é o Moledo, sugerem-me. A humanidade tem destas coisas.

Como quem paga uma promessa, ou como se fôssemos um cortejo de penitentes, lá marchámos em direcção ao santuário. Bandeira vermelha, alguns surfistas e uma solidão maior que o mundo. Está frio, comento. Olham-me com desprezo. Acrescento: ao menos vamos a casa vestir umas calças e uns corta-ventos. Sorriem. Qual o quê? Toca a marchar e lá me levam a dar uma volta pela ventania, até que alguém exclama: já chega. Chegou. Sinto risos nas minhas costas, olhares malévolos, desconfio de um pacto com Éolo. Gosto de vento, mas o vento norte podia ser menos frio e cortante, concedo. Amanhã, a saga do banhista continua, se tiver mesmo de ser… Que os deuses me protejam.

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