Diário de um banhista - VIII
Decisão e coragem são virtudes maiores de um banhista. A mim, porém, são qualidades que me falecem mal enfrento as águas. Saudoso de aventuras marítimas lá me dirigi para uma das muitas praias que por aqui há. Sugeri que fossemos a outra mais habitual. Perdi a votação. Muito vento, foi o que ouvi como justificação. Parece que aqui se vive numa democracia argumentativa, com direito a justificação dos actos e tudo. Lá fomos, armados de chapéu-de-sol, toalhas, cremes contra os ultravioletas e um livro que escondi entre o atoalhado.
Um banhista que não viva numa barraca tem de aliar à decisão e à coragem a perspicácia geográfica de um fundador de colónias. Como os antigos gregos que saíam da sua cidade natal e iam para a Anatólia ou para a Sicília em busca de território livre e, quando o encontravam, aí fundavam uma nova cidade, colónia da primeira e protegida pelos deuses desta, também os banhistas de chapéu-de-sol e toalha têm de espiar o território, descobrir clareiras, apossar-se com determinação de cada palmo de terreno, delimitar uns metros quadrados, se os houver, de areia, erguer um altar, fazer uma hecatombe, e depois… Bom, depois, mesmo que não haja necessidade de uma oposição determinada a novos colonizadores, é preciso vigiar as fronteiras e exibir o poderio da nova colónia. Como? Erguendo acrópoles de lona defendidas por muralhas de atoalhados turcos coloridos para ofuscar o adversário. Há quem use corta-ventos, mas faço parte de uma geração apostada em novas formas de defesa, mais imateriais e fundadas na vigilância electrónica e no uso de informação via satélite. Adoro planos tecnológicos.
Colónia fundada e defendida, dá-se início à função. Os colonizadores cansados da longa viagem começam a despir-se e exibem-se em roupa interior, com o estranho nome de fato-de-banho, como se alguém precisasse de um fato quando toma banho. Esfregam-se com cremes, esticam os peitos, verificam a consistência dos músculos, se são do sexo masculino acomodam aquilo que os faz ser o que são, se são do feminino tentam tapar os pêlos que sempre crescem onde não devem e que as fazem parecer o que não são. Depois, desatam a correr para a água, os mais decididos, ou avançam lentamente, os timoratos. É o que acontece comigo. Mal a água me cobre os pés, sinto uma dor como se os ossos se partissem.
É aqui que a decisão e a coragem se mostram a as virtudes maiores de um banhista. Respiro fundo, olho o sol e tomo uma decisão: para a Acrópole e já. Debaixo do chapéu-de-sol observo o movimento do universo, e o ir e vir das águas, oiço a restolhadas das crianças e o ganir dos cães de companhia, a maior parte nas respectivas acrópoles, enquanto os seus donos se espojam areia fora. Abro o livro, ponho os óculos de leitura e mergulho nas páginas batidas pelas areias trazidas pelo vento suave. Amanhã levarei tampões para os ouvidos. Para ler, preciso de silêncio.
Cansados de praia, desfazemos a colónia e voltamos à terra pátria. Um banhista não passa de um Sísifo.
Um banhista que não viva numa barraca tem de aliar à decisão e à coragem a perspicácia geográfica de um fundador de colónias. Como os antigos gregos que saíam da sua cidade natal e iam para a Anatólia ou para a Sicília em busca de território livre e, quando o encontravam, aí fundavam uma nova cidade, colónia da primeira e protegida pelos deuses desta, também os banhistas de chapéu-de-sol e toalha têm de espiar o território, descobrir clareiras, apossar-se com determinação de cada palmo de terreno, delimitar uns metros quadrados, se os houver, de areia, erguer um altar, fazer uma hecatombe, e depois… Bom, depois, mesmo que não haja necessidade de uma oposição determinada a novos colonizadores, é preciso vigiar as fronteiras e exibir o poderio da nova colónia. Como? Erguendo acrópoles de lona defendidas por muralhas de atoalhados turcos coloridos para ofuscar o adversário. Há quem use corta-ventos, mas faço parte de uma geração apostada em novas formas de defesa, mais imateriais e fundadas na vigilância electrónica e no uso de informação via satélite. Adoro planos tecnológicos.
Colónia fundada e defendida, dá-se início à função. Os colonizadores cansados da longa viagem começam a despir-se e exibem-se em roupa interior, com o estranho nome de fato-de-banho, como se alguém precisasse de um fato quando toma banho. Esfregam-se com cremes, esticam os peitos, verificam a consistência dos músculos, se são do sexo masculino acomodam aquilo que os faz ser o que são, se são do feminino tentam tapar os pêlos que sempre crescem onde não devem e que as fazem parecer o que não são. Depois, desatam a correr para a água, os mais decididos, ou avançam lentamente, os timoratos. É o que acontece comigo. Mal a água me cobre os pés, sinto uma dor como se os ossos se partissem.
É aqui que a decisão e a coragem se mostram a as virtudes maiores de um banhista. Respiro fundo, olho o sol e tomo uma decisão: para a Acrópole e já. Debaixo do chapéu-de-sol observo o movimento do universo, e o ir e vir das águas, oiço a restolhadas das crianças e o ganir dos cães de companhia, a maior parte nas respectivas acrópoles, enquanto os seus donos se espojam areia fora. Abro o livro, ponho os óculos de leitura e mergulho nas páginas batidas pelas areias trazidas pelo vento suave. Amanhã levarei tampões para os ouvidos. Para ler, preciso de silêncio.
Cansados de praia, desfazemos a colónia e voltamos à terra pátria. Um banhista não passa de um Sísifo.
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