Diário de um banhista - IV
É dura a vida de um banhista. Estava ontem muito descansado quando um telefonema lançou o pânico. Para amanhã, a visita de uma amiga. O mundo turva-se, isto de mulheres e praia conjuga-se com tal perfeição que já estava a ver-me arrastado, em pleno Sábado, imagine-se, para um areal pejado de corpos espojados pelo chão, alegres trinados das criancinhas – sim, sim, dessas mesmas que o divino Mestre dizia para deixarem ir até Ele, mas Ele, sábio que era, não ia à praia, mesmo aquilo no Jordão não foi um banho, mas um baptizado, leram bem, um baptizado e esse só acontece uma vez na vida, pois uma pessoa não anda sempre a mergulhar nas águas para lavar pecados, não haveria João Baptista que chegasse, e se querem lavar a alma que vão ao confessionário, não à praia –, a ver-me arrastado, dizia, para o espectáculo dos portugueses em roupa interior, há quem lhe chame fatos de banho, portugueses exuberantes, desejosos de mostrar o viço e a peitaça e o coxame e a celulite e o pneu. Era este programa audiovisual que já se desenhava no horizonte da pobre imaginação que me coube em sorte. A coisa foi de tal maneira impressiva que passei a noite a sonhar com praias cobertas de portugueses e eu entre eles a caminhar, como sonâmbulo, a exibir a tristeza da minha figura, metido nuns boxers vermelhos a que toda a gente teimava chamar calções de banho.
Quando me levantei, bem cedo e mal dormido, a coisa piorou: estava um céu azul e um sol esplendoroso. Ergui as mãos ao alto e disse Senhor tem piedade das pobres florestas, olha as ignições, ajuda este país malquisto, apieda-te da lavoura, das plantas e dos animais, manda nuvens e chuva e tempo fresco. Nada. Eis o verdadeiro sentido da derrelicção. Senti-me abandonado, desprezado, humilhado. É por estas e por outras que as pessoas deixam a Igreja, esquecem as missas, mandam ao diabo os mandamentos, salvo seja, t’arrenego, ó belzebu. A manhã caminha por aí fora, toma-se café, compra-se os jornais, e uma voz insidiosa diz ó tanto calor, está mesmo bom para ir à praia, respondo ó tanto calor, está mesmo bom para ficar em casa. E ali se fica naquela indecisão, vai não vai, vais tu, fico eu, e eis que aquela amiga, a que haveria de vir, liga a dizer que sim, que vem, mas não está disposta para a praia. Respiro fundo, agradeço ao Senhor, sento-me comovido. Talvez sejam incompreensíveis os caminhos do Altíssimo. Salvo in extremis. É dura a vida de um banhista.
Quando me levantei, bem cedo e mal dormido, a coisa piorou: estava um céu azul e um sol esplendoroso. Ergui as mãos ao alto e disse Senhor tem piedade das pobres florestas, olha as ignições, ajuda este país malquisto, apieda-te da lavoura, das plantas e dos animais, manda nuvens e chuva e tempo fresco. Nada. Eis o verdadeiro sentido da derrelicção. Senti-me abandonado, desprezado, humilhado. É por estas e por outras que as pessoas deixam a Igreja, esquecem as missas, mandam ao diabo os mandamentos, salvo seja, t’arrenego, ó belzebu. A manhã caminha por aí fora, toma-se café, compra-se os jornais, e uma voz insidiosa diz ó tanto calor, está mesmo bom para ir à praia, respondo ó tanto calor, está mesmo bom para ficar em casa. E ali se fica naquela indecisão, vai não vai, vais tu, fico eu, e eis que aquela amiga, a que haveria de vir, liga a dizer que sim, que vem, mas não está disposta para a praia. Respiro fundo, agradeço ao Senhor, sento-me comovido. Talvez sejam incompreensíveis os caminhos do Altíssimo. Salvo in extremis. É dura a vida de um banhista.
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