23/02/07

Memória, nos 20 anos da morte de José Afonso

A memória mais antiga que possuo da música de José Afonso é, curiosamente, muito pouco política. Trata-se de um fado de Coimbra, no caso uma canção de embalar, que passava frequentemente na rádio, nos longínquos anos 60. Fazia parte de um EP, com 4 temas, gravado em 1962. A minha mãe, naqueles tempos, tinha sempre o rádio (então, dizia-se a telefonia) ligado, não sei se na Emissora Nacional, se no Rádio Clube Português. Seja onde for, a verdade é que o “Menino de Oiro” era passado com tal frequência que, quando hoje tentei recordar o primeiro contacto com a sua música, acabei nessa experiência absolutamente despolitizada de ouvir José Afonso.

Ouvir José Afonso enquanto José Afonso, todavia, só por volta de 1973, quando comecei a frequentar o Cine-Clube de Torres Novas. A entrada no Cine-Clube deveu-se a um facto que nada teve a ver com o cinema. Foi o xadrez que aí me levou. Tinha aprendido a jogar aquando do embate entre Fischer e Spassky (espero que seja assim que se escreve). Naqueles tempos o xadrez chegou a fascinar-me e no Cine-Clube havia um tabuleiro e gente para jogar com alguma qualidade. Havia também um pequeno gravador de cassetes que passava música portuguesa que não se ouvia na rádio: José Mário Branco, Manuel Freire, Sérgio Godinho, Luís Cília, José Jorge Letria (?), Adriano Correia d’Oliveira e José Afonso. Talvez fossem duas as cassetes existentes. Jogava-se xadrez ao som daquela música que, curiosamente, tinha um duplo efeito: abria para o mundo que o regime político de então fechava e perseguia e, ao mesmo tempo, devido à sua forma melódica, quase sempre a balada, produzia uma atmosfera propícia à concentração que o xadrez exige.

Há muitos, muitos anos que estou ideologicamente e esteticamente distante desses cantores. No entanto, guardo aquela música como parte da minha educação cívica. De todos eles, José Afonso é, para mim, o mais interessante. Talvez não seja estranho o facto de partilhar com ele a formação académica em Filosofia. O seu álbum “Cantigas do Maio” é, na minha pouco abalizada opinião, o melhor trabalho da música popular portuguesa, mesmo tendo em consideração alguns trabalhos excepcionais de Amália Rodrigues e dos Madredeus.

Quem se interessar por José Afonso pode ver o site da Associação José Afonso e a muito informação dada, nomeadamente pelo jornalista Viriato Teles: http://www.aja.pt/

Sem comentários: