28/02/07

A cultura juvenil

O sociólogo António Barreto deu uma interessante entrevista ao Público de Domingo, motivada pelo programa de televisão que dirigiu e que apresenta um retrato do país. A ver a partir de 14 de Março. Dessa entrevista, feita por Adelino Gomes, vale a pena meditar no seguinte excerto:

Público: Falou da cultura jovem. Que surpresa foi essa?
A. Barreto: Eu não sabia que havia algumas dezenas de discotecas que funcionam até às cinco da manhã para crianças dos 13 aos 16 anos. Em Lisboa, 20; as outras no resto do país. Não sabia que nessas discotecas se vende álcool, apesar de ser proibido. Não sabia que essas discotecas têm um limite de idade para cima: não se pode entrar com mais de 16 anos. Não sabia que centenas de pais, aflitos com a maneira de tratar com os filhos, vão para a porta das discotecas às cinco da manhã esperar crianças. Vi uma miúda a quem perguntei: “Tu tens 10 anos ou 12, não é?” e ela respondeu, com ar atrevido: “Tenho, tenho, mais IVA”… Eu vi numa discoteca no meio do campo, em plena Beira, crianças com 12 anos, já sendo generoso.

Público: O que é que os pais vos disseram para explicarem estarem ali, à espera das filhas?
A. Barreto: Tentam ficar na onda. Mas há outros que pura e simplesmente entregam as crianças a empresas. Estas vão buscá-las às 10, 11 da noite, e voltam às 4, 5 da manhã, para as levarem de regresso, distribuindo-as por cada casa. Uma dessas pessoas diz-nos, no programa, que ouve algumas das crianças dizerem que não vêem o pai e a mãe senão ao fim-de-semana. (Fim de citação)
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Será possível que estas crianças, atenção, são mesmo crianças, tenham algum interesse pela aprendizagem? O que poderá a escola dizer-lhes, se todo o seu corpo, desde as pontas dos pés até à cabeça, está já ocupado pela expectativa da noite na discoteca? Terão ainda espírito? Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, Biologia? Meu Deus, o que lhes interessará isso? Nada. Não se pense que elas são a excepção. Não. Elas são o modelo que a generalidade das outras quer imitar.

A senhora Ministra Maria de Lurdes Rodrigues quer perceber por que motivo a escola portuguesa é um imenso flop? Então estude os comportamentos e as culturas juvenis. Veja como as famílias lidam com estes problemas. Observe como a nossa “iniciativa privada” é tão inventiva na sedução das crianças, como ela se organiza para responder à procura deste tipo de eventos, que ela própria estimula. Investigue o papel dos “media” na “educação” das novas gerações.

Um conselho ao senhor Primeiro-ministro: porque não orientar o choque tecnológico para o imenso mercado da exploração dos desejos juvenis. Não faltará emprego, nem empresários inovadores (veja-se a iniciativa das empresas de recolha e distribuição da pequenada).