Sol na eira e chuva no nabal
(imagem do estado de necessidade)
Esta coisa da "Dieta orçamental é para durar vinte anos, avisa o FMI" já pouco me perturba. Sei lá se duro vinte anos ou, mesmo, vinte segundos. Menos pobre ou mais pobre, o que for soará. No entanto, há uma coisa que me perturba. Tem a ver com as nossas conquistas civilizacionais. O controlo da natalidade, a submissão pura da corrente biológica, fundada no impulso erótico, ao mais rasteiro cálculo de oportunidades está a levar o Ocidente para um beco sem saída. Há dias, por motivos que não interessam para aqui, estava a ler uns textos, de 1904, de Júlio de Matos, onde ele se insurgia contra a insouciance do proletariado e a sua transbordante capacidade de semear prole. Passado um século, introduzidos a pílula e o planeamento familiar, o que diria Júlio de Matos? Não é apenas o desequilíbrio orçamental que é problemático devido à falta de renovação das gerações. É a decadência das instituições, das ideias, dos projectos. Uma sociedade em que a pirâmide etária está invertida, onde os velhos são cada vez mais e os novos cada vez menos, só pode ter pensamentos soturnos e mórbidos. As nossas sociedades já não pensam, apenas cismam. Como pode haver projectos novos, invenção de caminhos, um golpe de asa que altere a situação? Gostámos muito da liberdade sexual que a pílula trouxe, da comodidade que é evitar ter três ou quatro filhos, do fim do império da Igreja sobre as consciências. O dinheiro serviu para carros, casas, viagens. Mas, como se diz no campo, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. A vida é muito mais misteriosa do que a nossa pequena razão consegue calcular. Há que pagar a factura.
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