Júlio de Matos, a política e a República
A liberdade, a soberania popular e a igualdade, que à civilização prestaram, como formas dissolventes da teocracia, um prodigioso serviço, começaram, uma vez tornadas ídolos mentais, a ser-lhe eminentemente funestas.
Do culto da liberdade de consciência nasceu a anarquia mental em que vivemos e que preparou em grande parte, como um dia ainda procurarei demonstrar, a inesperada renascença mística do final do século XIX, que nos reconduziria, se fosse possível prolongá-la, ao servilismo intelectual da fase teocrática.
Do culto da soberania popular derivou, mercê da interferência cada vez maior da plebe inculta na formação dos governos, um regime plutocrático e centralizados, que é já nos povos latinos uma tirania disfarçada e que amanhã será o mais intolerável dos despotismos.
Enfim, do culto da igualdade combinado com o precedente resultou esse perigoso e contagioso estado mental que Raphael Garofalo chama com rara felicidade a superstição socialista. (Júlio de Matos (1904), "Prefácio" à tradução portuguesa de A Superstição Socialista, de Raphael Garofalo)
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Júlio de Matos foi dos mais eminentes psiquiatras portugueses e um dos mais destacados intelectuais apoiantes da 1.ª República. Não admira, assim, que a República se tenha tornado no que tornou. O positivismo político, patilhado com Teófilo Braga e outros republicanos, não era apenas adversário da religião, em particular da Católica, mas também dos próprios princípios da revolução francesa, os quais não passavam de ídolos, cujo valor residia apenas em terem combatido o Antigo Regime. Igualdade, Soberania popular e Liberdade, para o determinismo mecaniscista de Júlio de Matos, não passavam de ideias funestas. Talvez por isso, a República tenha sido a tragédia que foi, uma tirania partidocrática sem grande base popular.
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