17/07/09

Uma pandemia

Devida a umas leituras irregulares que estou a fazer, deparei-me com os nomes de Sabbataï Zevi (1626-1676) e de Jackob Franck (1726-1791). O que têm estes homens em comum? Três coisas essenciais. São ambos judeus, ambos se declararam Messias, e ambos apostataram. O primeiro converteu-se ao Islão. O segundo, ao Cristianismo. A ideia de um Messias apóstata seduziu-me de imediato. Aliás, o próprio Cristianismo está fundado, para o judaísmo, num Messias apóstata, Jesus Cristo. Poder-se-ia meditar, à maneira de Jorge Luís Borges, sobre a estranha conexão entre a ideia de Salvador e a ideia de apóstata e concluir pela proposição lógica que toda a Salvação radica numa apostasia. Mas deixemos os devaneios da imaginação. O que descobri, já que nunca me tinha interessado muito pelo assunto, foi uma quantidade enorme de Messias (ver na Wikipedia a lista). E há Messias judaicos, mas também cristãos, muçulmanos e de combinação vária. E é aqui que descubro um Messias cristão com uma curiosa doutrina; melhor, com uma curiosa prática. Jesu Oyingbo declarou-se Messias em Lagos, na Nigéria. Até aqui tudo bem. Fundou a "New Jerusalem" em Maryland, Lagos. Segundo se lê na Wikipedia, era um homem muito dado a limpezas espirituais. Consta que manteve relações sexuais com todas as mulheres da sua comunidade (camp), incluindo as suas filhas. Razão? Nada que Freud possa explicar, apenas o desejo de limpeza espiritual. Mas para que o nosso espírito patriótico não fique desiludido também tivemos o nosso Messias. Bem, nosso não será, mas descendente de Marranos. Abraham Miguel Cardozo (1630-1706) nasceu em Espanha, mas descendente de judeus portugueses de Celorico. A sua história e o seu trânsito de mero profeta a Messias pode ser lida aqui. Tem muito de portuguesa. Esta coisa de alguém se declarar o Salvador e de as pessoas esperarem também o Salvador é estranha. Poderíamos pensar que fosse apenas uma mera patologia psico-social, mas a insistência com que aparecem os Messias somos levados a pensar estar perante uma pandemia.

3 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Este texto não deixa de ser profundamente ardiloso, sobretudo para um cristão. No meio de toda essa imensa e alegre feira de Messias que pulularam alegremente ao longo da história, o que terá Jesus de Nazaré a mais ou a menos do que os outros? A não ser que me venhas dizer que os milagres deste eram mais engraçados do que os dos outros, que a sua ressurreição foi mesmo a valer enquanto os outros ficaram reduzidos aos poeirentos torrões, ou que no seu código genético haveria vestígios de genes do Espírito Santo.

JR

Jorge Carreira Maia disse...

Este é um comentário injusto. No link que forneci, Jesus de Nazaré é o 4.º messias da lista de messias judeus. Também era alvo do meu comentário, digamos assim.

O que tem Jesus de Nazaré diferente dos outros? Duas coisas essenciais. Primeira, a eficácia. A sua apostasia deu lugar à maior das religiões mundiais, ao contrário de todos os outros que nunca produziram mais do que breves seitas. Segunda, criou um conjunto de valores que permitem que nós, hoje em dia, vivamos num mundo um pouco mais civilizado ou um pouco menos bárbaro. Entre esses valores, está a liberdade.

Portanto, se os genes não eram do Espírito Santo, não deixaram de ser uns excelentes genes. É graças ao genes dele que tu podes dizer o que dizes.

maria correia disse...

O Novo Testamento (que trata da vida, morte e ressureição de Jesus Cristo) é uma lufada de ar fresco perante o Antigo Testamento...é uma nova moral, um vento de liberdade, amor e esperança, um código humano, verdadeiramente humano (humanista) de comportamentos: «Quem nunca errou que atire a primeira pedra». Quase bastaria isto.