29/07/09

Análises teratológicas

Estamos a chegar à essência da coisa. Quando se fala em economia e política ou, na versão iluminista, em economia-política, devemos perguntar qual a ciência que trata dessa equívoca combinação. Ora a ciência da essência da economia-política é a teratologia. Teratologia?, pergunta quase indignado o leitor. Sim, é verdade a teratologia investiga as anomalias, malformações, deformações, monstros e monstruosidades em geral (ver aqui), portanto é um ramo da medicina. Em Portugal, porém, foi necessário um transfert para incluir nessa digníssima ciência o monstro das contas públicas, vulgarmente conhecido pelo défice. Ricardo Reis, não confundir com o heterónimo de Fernando Pessoa, diligente investigador de monstruosidades estudou a alimentação do monstro nos últimos 24 anos. Descobriu que os governos do PSD são mais amiguinhos do monstro do que os do PS; descobriu também que o próprio Professor Cavaco não era nenhum poupadinho, mas gastava que se fartava. Estas coisas já se sabiam. Por exemplo, seria interessante investigar a correlação entre a despesa pública e as maiorias absolutas do professor Cavaco. É preciso, por outro lado, não esquecer que a relativa contenção dos governos PS não se deve a uma virtude substancial dos rapazes da rosa, mas às imposições leoninas de Bruxelas. Mas a coisa que todos temos de saber é a seguinte: o défice não cresce apenas por desperdício. O monstro é criador, cria aquilo que não existe em Portugal: classes médias. Como a sociedade civil se mostra impotente para fabricar amplas e sólidas classes médias, como existem por essa Europa fora, tem sido o Estado a fabricá-las: professores, médicos, enfermeiros, militares, juízes e magistrados, técnicos superiores disto e daquilo, etc. Fora disto praticamente já não há classe média. Um exemplo. Antigamente os pequenos comerciantes com as suas lojas de mercearia formavam uma sólida, embora pouco extensa classe média. Viviam de uma concorrência respeitosa e pouco agressiva. Essa gente desapareceu. As grandes superfícies acabaram com ela e o grosso do dinheiro concentrou-se nas mãos de uma meia dúzia de grandes empresários da distribuição. Quem fala em mercearias, fala no resto. O resultado é sempre o mesmo: concentração do dinheiro nas mãos de pouco, crescimento da proletarização, necessidade do Estado fabricar classes médias. O monstro do Estado cresce porque há outros monstros, talvez bem mais poderosos, que aniquilam as classes médias civis. Ora, sem classes médias, sejam produzidas pelo Estado ou pela sociedade, a comunidade estará quase sempre à beira da guerra civil, ou da revolução, se preferirem a metáfora astronómica. O monstro de que falou o professor Cavaco foi inventado por ele quando, usando a metáfora do ciclismo, quis pôr Portugal no pelotão da frente. O que fez ele? Inventou o que não havia: classes médias amplas. Pagas por quem? Pelo Estado. Pobre Leviatã que paga tantas coisas.

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