11/09/11

Ten Years After


Há dez anos tive o meu segundo grande choque com o mundo muçulmano. O primeiro tinha sido em 1979, com a Revolução iraniana. Esse primeiro choque foi de tal maneira grande que me obrigou a rever os quadros mentais em que tinha sido educado politicamente. Afinal o mundo não se resumia à luta entre comunismo e capitalismo, entre a URSS e os EUA. Havia mais vida para além da Guerra Fria. Nessa altura, descobri que Portugal tinha uma fronteira a sul e não apenas a leste. Se de Espanha não viriam bons ventos, o certo é que os grandes sarilhos poderiam vir do sul, isto é, de um Norte de África politicamente instável. 

Há dez anos, apesar da espectacularidade do golpe, o choque foi menor. Mas mesmo assim foi um choque tremendo. Tenho meditado sobre este problema ao longo dos anos, tenho-me perguntado qual o seu verdadeiro significado. Fui mudando de ponto de vista. Hoje em dia, do ponto de vista da Al-Qaeda, talvez o seu maior ganho tenha sido elevar o mundo muçulmano à consciência do ódio que tem ao mundo ocidental. Mais que mostrar a fragilidade da defesa americana, mais que ferir o orgulho do império, mais que assustar americanos e ocidentais em geral, a vitória terrorista centra-se na tomada de consciência, por parte de todo o mundo muçulmano, de um ódio larvar ao mundo ocidental. Dez anos depois, o ódio está bem vivo, mais consolidado que a própria organização terrorista, que tem sofrido golpes profundos. 

As primaveras do mundo árabe são uma exígua fresta de oportunidade. Não para regimes democráticos idênticos aos nossos, mas para se abrir uma época pós-ódio ao ocidente, uma época de des-solidificação do ódio. Depende de muitas coisas. Muitas delas não estão nas mãos dos ocidentais, mas há uma que está, a forma como se comportam perante a evolução dos novos regimes. Convém não destruir, com o oportunismo que nos caracteriza, o pequeno capital que ainda resta. É provável que muitos milhões de muçulmanos estejam cansados de tanta morte e queiram uma vida normal. Ter trabalho, fazer negócios, ir à mesquita, cumprir o Ramadão, estudar, educar os filhos, etc. Esta pequeníssima oportunidade deveria ser explorada até ao fim, fundamentalmente pelos europeus e, entre estes, pelos europeus do sul, onde se encontram também os franceses, por muito que isso os possa desgostar. Dez anos depois, talvez se possa abrir um inimaginável caminho para a tolerância.

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