09/11/08

A essência do conflito

Diz Marco Aurélio (Pensamentos, XI.29): «Na arte da escrita como na leitura não chegarás a mestre sem primeiro seres discípulo. Mais verdadeiro é isso na vida».

E aqui está resumido todo o conflito que opõe professores e ME. Parece estranho e, no entanto, é esta a essência do conflito. Não é que as crianças e adolescentes, na sua generalidade, queiram arvorar em mestres. Não. Eles dispensam a mestria, mas também o discipulato. Na verdade, para muitos dos alunos nada disso lhes interessa. Querem divertir-se e isso é o suficiente.

A este pequeno problema, soma-se o problema essencial: o ME acha que os alunos devem ser mestres de si-próprios, sendo os professores uma espécie de gestores das aprendizagens ou, como diz o Zé Ricardo Costa, auxiliares de acção educativa. A essência desta aberração manifesta-se em coisas como a escola centrada no aluno, as ditas pedagogias activas e mais um conjunto de banalidades e de contra-sensos que fazem parte de uma certa ideologia que se disseminou no sistema de ensino. A avaliação de professores não visa avaliar gente que ensina, mas uma espécie de gestores de aprendizagens, aprendizagens essas que os alunos realizariam por si desenvolvendo a sua autonomia, talvez auxiliados pelos vários magalhães agora democratizados.

Esta utopia choca com o ensinamento que desde os primórdios da civilização ocidental se constituiu e choca com a própria realidade, como parece que toda a gente vê, menos o ME, o primeiro-ministro e umas quantas personalidades e figuras dependentes do governo.

Marco Aurélio, um pobre idiota que defende que antes de se ser mestre há que ser discípulo, certamente seria expulso da escola do engenheiro Sócrates e da socióloga Lurdes Rodrigues. Talvez pedisse a reforma, se tivesse idade para isso. Mas daqui a 30 anos quem se lembrará de Sócrates ou de Lurdes Rodrigues. E, no entanto, a palavra de Marco Aurélio continuará nova, sensata e friamente objectiva. Para a escola e para a vida.

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